Por Reinaldo Azevedo - Veja.com
A
presidente Dilma Rousseff e o ministro da Defesa, Celso Amorim, determinaram
que os comandantes das Três Forças Armadas — Exército, Marinha e Aeronáutica —
punam os até agora 150 militares da reserva que assinaram um documento que reafirma os termos de um manifesto
redigido no dia 16 do mês passado pelos três clubes militares. Estaria tudo no
seu devido lugar SE A PUNIÇÃO NÃO FOSSE ILEGAL. MAS É. Na democracia, que é o
regime em que vivemos, presidentes da República e ministros também estão
obrigados a seguir a lei. Já chego lá. Antes, uma contextualização.
Naquele primeiro texto, os reservistas criticavam opiniões
expressas pelas ministras Maria do Rosário (Direitos Humanos) e Eleonora
Menicucci (Mulheres) e cobraram coerência de Dilma, lembrando um discurso seu
no dia em que foi eleita. Mas o que haviam dito aquelas notáveis patriotas?
Contrariando decisão do STF, que reiterou a validade da Lei da Anistia, Rosário
havia afirmado que a Comissão da Verdade pode criar condições para que algumas
pessoas sejam processadas criminalmente. Não pode! É mentira! No discurso de
posse, Eleonora fez críticas ao regime militar e referiu-se a seu próprio
passado comunista como período de luta pela democracia. Mentira! Ela lutava por
uma ditadura comunista. Como revelou este blog, isso nem é o pior que ela já
fez.
O que diz a lei
O
texto dos clubes, que foi retirado do ar por pressão de Dilma e Amorim, critica
as duas ministras e lembra que a presidente prometeu governar para todos os
brasileiros. Tivesse o desabafo ficado lá onde estava, não haveria
conseqüências. O Planalto decidiu, no entanto, intervir com mão pesada, o que
gerou o novo protesto. Agora, a presidente e seu ministro da Defesa querem a
punição dos 150 signatários (por enquanto) — até anteontem à noite, havia 13
generais entre eles. Alguns dirão: “Como é firme esta Dilma! Muito bem!” E
também hão de elogiar Celso Amorim, a quem apelidei, quando ainda estava no
Itamaraty, de “megalonanico”, dada a sua mania de grandeza sem lastro, como
fica evidente mais uma vez.
Vamos
ver. Clubes militares são entidades de caráter associativo e se manifestam
sobre temas políticos e institucionais desde que existem. Conviveram sem
maiores conflitos com todos os presidentes civis desde a redemocratização: José
Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio
Lula da Silva. Não têm armas. “Militares da reserva também estão submetidos à
hierarquia e não podem incitar a indisciplina”. É verdade! Mas nem a primeira
nem a segunda notas avançam nesse terreno. E há, de resto, uma questão
essencial.A Lei nº 7524, de 17 de julho de 1986,
faculta aos militares da reserva a manifestação sobre temas políticos, a saber:
Lei nº 7.524, de 17 de julho de 1986
Dispõe sobre a manifestação, por militar
inativo, de pensamento e opinião políticos ou filosóficos.
O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA,
faço
saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art 1º Respeitados os limites estabelecidos na
lei civil, é facultado ao militar inativo, independentemente das disposições
constantes dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, opinar livremente
sobre assunto político e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico
ou relativo à matéria pertinente ao interesse público.
Parágrafo único. A faculdade assegurada neste artigo não
se aplica aos assuntos de natureza militar de caráter sigiloso e independe de
filiação político-partidária.
Art 2º O disposto nesta lei aplica-se ao
militar agregado a que se refere a alínea b do § 1º do art. 150 da Constituição
Federal.
Art 3º Esta lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Art 4º Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília,
17 de julho de 1986; 165º da Independência e 98º da República.
JOSÉ SARNEY
Henrique Saboia
Leônidas Pires Gonçalves
Octávio Júlio Moreira Lima
Voltei
Essa
lei não foi revogada. Está ainda em vigor. Tanto no primeiro como no segundo
documentos, militares da reserva nada mais fizeram do que“independentemente das disposições constantes dos Regulamentos
Disciplinares das Forças Armadas, opinar livremente sobre assunto político e
externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria
pertinente ao interesse público.”
Se
houver a punição, não restará aos clubes militares e aos atingidos outra saída
que não recorrer à lei. Se preciso, que se chegue ao Supremo, que é onde se
devem resolver questões que dizem respeito à liberdade de expressão e direitos
fundamentais.
Algo
parecido, se querem saber, jamais aconteceria no governo Lula, um experimentado
sindicalista, que sabe que não se deve esticar muito a corda em determinados
casos. Lula tinha a auxiliá-lo Nelson Jobim, que tinha bom trânsito entre os
militares e não era dado a aos rompantes de megalonaniquice (até porque seria
fisicamente impossível…) de Celso Amorim. A dupla, na verdade, deve estar pouco
se lixando para o que de fato acontece. Trata-se apenas de um teste de
autoridade. Ocorre que essa autoridade não poderá ser exercida contra a lei.
Qual é a o pretexto para punir os militares? Sob que argumento? O que eles
fizeram que não esteja plenamente abrigado pela lei 7.524/86?
Comissão da Verdade
Estamos
diante de um péssimo sinal. Vem por aí a tal “Comissão da Verdade” — como se a
“verdade” pudesse nascer no aparelho do estado! Tenham paciência! Temo que na
tal comissão Eleonora Menicucci passe como uma fiel repórter da história ao
afirmar que o seu POC (Partido Operário Comunista), quando praticava assaltos para
financiar a revolução, lutava por democracia… De fato, essa sanha persecutória
corresponde a uma espécie de ensaio do que vem pela frente. É um sinal de que a
Comissão da Verdade poderá mentir à vontade.
A
petralhada pode enfiar a viola no saco e ir cantar lá no território do JEG
(Jornalismo da Esgotosfera Governista). Este texto não incentiva indisciplina.
Ao contrário: este texto incentiva o respeito às leis, inclusive à 7.524/86.
E a
Lei 7.524/86 faculta aos reservistas manifestar-se sobre o que lhes der na
telha, desde que não incitem a violência e o rompimento da ordem legal,
exigência que está em outros códigos. Isso vale para todo mundo, não é?
Inclusive para Dilma e Amorim.
Por Reinaldo Azevedo
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