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Por Blog do Orlando Tambosi
A
escritora Doris Lessing (1919), que ganhou o Prêmio Nobel de Literatura
em 2007, foi certamente a primeira pessoa a identificar as origens da
nefasta doutrina politicamente correta, com seu igualmente nefasto relativismo.
Foi também difícil encontrar o texto original - publicado logo depois da
implosão da União Soviética, agora gentilmente traduzido por um amigo
(referência no final do texto).”
Perguntas que Você
Nunca Deve Fazer a Escritores
- Por DORIS LESSING - New York Times, Editorial em
26 de Junho de 1992
EMBORA tenhamos
visto a aparente morte do comunismo, modos de pensar que nasceram no comunismo
ou foram fortalecidos pelo comunismo ainda governam nossas vidas. Mas nem todos
eles são imediatamente perceptíveis como sendo um legado do comunismo. O
exemplo mais evidente é o politicamente correto.
Primeira questão:
a linguagem. Não é novidade a ideia de que o comunismo degradou a linguagem, e,
com a linguagem, o pensamento. Há um jargão comunista reconhecível em cada
frase. Pouca gente na Europa não fez piadas, em seu tempo, sobre “passos
concretos”, “contradições”, “a interpenetração de opostos”, e o resto.
A primeira vez em
que eu vi que slogans destruidores de mentes tinham a capacidade de criar asas
e voarem para longe de suas origens foi nos anos 50, quando li um artigo no
Times de Londres e constatei que estavam sendo utilizados. “A manifestação no
Sábado passado foi prova irrefutável de que a situação concreta...” Palavras
confinadas à esquerda como se fossem animais encurralados passaram para o uso
geral. Junto com elas, vieram as ideias. Pode-se ler artigos inteiros na
imprensa conservadora e liberal que foram marxistas sem que os escritores
soubessem. Mas há um aspecto dessa herança que é muito mais difícil de
perceber.
Até mesmo há cinco
ou seis anos, o Izvestia, o Pravda e vários outros jornais comunistas eram
escritos em uma linguagem que parecia planejada para ocupar o maior espaço
possível sem, no entanto, dizer qualquer coisa. Porque, claro, era perigoso
tomar posições que precisassem ser defendidas. Agora todos esses jornais redescobriram
o uso da língua. Mas a herança de uma língua morta e vazia pode ser encontrada,
atualmente, nos meios acadêmicos, particularmente em algumas áreas da
sociologia e da psicologia.
Um jovem amigo
meu, do Iêmen do Norte, economizou todo o dinheiro que tinha para viajar à
Grã-Bretanha para estudar na área da sociologia que ensina a difundir os
conhecimentos ocidentais a nativos sem conhecimento. Pedi para ver seu material
de estudo e ele me mostrou uma verdadeira bíblia, tão mal escrita e com um jargão
tão feio e vazio que era difícil de entender. Havia centenas de páginas, mas
ideias expostas podiam ser facilmente resumidas a dez.
Sim, eu sei que o
ofuscamento do meio acadêmico não começou com o comunismo – como Swift, por
exemplo, nos informa – mas o pedantismo e o excesso de palavras do comunismo
têm suas raízes no meio acadêmico alemão. E agora isso se tornou uma epidemia
que contamina o mundo inteiro.
É um dos paradoxos
de nosso tempo o fato de que ideias capazes de transformar nossas sociedades,
cheias de visões sobre como o animal humano, de fato, se comporta e pensa, são
frequentemente apresentadas num linguajar ilegível.
O segundo ponto é
ligado ao primeiro. Ideias poderosas que afetam nosso comportamento podem ser
visíveis até em poucas frases, ou até mesmo em uma frase ou um chavão. Todos os
escritores ouvem essas perguntas de quem os entrevista: “Você acha que um escritor
deveria...?” “Escritores deviam...?” A pergunta sempre tem a ver com uma
posição política, e observe que a suposição por trás das palavras é de que
todos os escritores devem fazer a mesma coisa, seja o que for. As frases “Um
escritor deveria...?” “Escritores deviam...?” têm uma longa história que parece
desconhecida para as pessoas que as utilizam tão arbitrariamente. Outra frase é
“engajamento”, tão em voga em nossos dias. Fulano de tal é um escritor
engajado?
Um sucessor de
“engajamento” é “conscientizar.” Trata-se de uma faca de dois gumes. As pessoas
a serem conscientizadas podem receber informações de que desesperadamente
careçam e precisem, e podem receber o apoio moral que necessitem. Mas o
processo quase sempre significa que o pupilo receberá somente a propaganda que
o instrutor aprove. “Conscientizar”, como “comprometimento” e “politicamente
correto”, é uma continuação da velha cantilena das diretrizes partidárias.
Um modo de pensar
bastante comum na crítica literária não é visto como consequência do comunismo,
embora o seja. Todos os escritores têm a experiência de ouvir que um conto ou
história é “sobre” alguma coisa qualquer. Escrevi uma história, “O Quinto
Filho,” que foi, ao mesmo tempo, definido como sendo sobre o problema
palestino, pesquisas genéticas, feminismo, antissemitismo e por aí vai.
Uma jornalista da
França entrou na minha sala e, antes mesmo de se sentar, disse: “Claro que
"O Quinto Filho” é sobre a AIDS.”
É o tipo de coisa
que interrompe qualquer conversa, eu lhe garanto. Mas o que é interessante é o
hábito mental que leva a analisar um trabalho literário desse modo. Se você
disser: “Se eu quisesse escrever sobre a AIDS ou o problema palestino, eu teria
escrito um panfleto”, você normalmente recebe olhares embasbacados. A noção de
que um trabalho imaginativo tenha de, “na verdade”, ser sobre algum problema é,
novamente, herança do realismo socialista. Escrever uma história pela história
é frívolo, sem falar em reacionário.
A exigência de que
histórias devam ser “sobre” algo é típica do pensamento comunista e, mais
longinquamente, do pensamento religioso, com sua vocação para livros de
autoaprimoramento tão simplórios quanto suas mensagens.
A expressão
“politicamente correto” nasceu quando o comunismo entrava em colapso. Não acho
que foi por acaso. Eu não estou sugerindo que a tocha do comunismo tenha sido
passada para os politicamente corretos. Estou sugerindo que os hábitos mentais
foram absorvidos, frequentemente sem que fosse percebidos.
Obviamente há algo
bastante atraente sobre dizer aos outros o que fazer: Estou colocando isso
dessa forma infantil ao invés de numa linguagem mais intelectual porque vejo
isso como um comportamento infantil. As artes em geral são sempre
imprevisíveis, rebeldes e tendem a ser, em sua melhor forma, desconfortáveis. A
literatura, em particular, sempre inspirou os comitês de Congressos, os
Zhdanovs da vida, os arroubos moralizantes, e, na pior hipótese, a persecução.
É perturbador que o politicamente correto não pareça saber quais são seus exemplos
e predecessores; é mais perturbador ainda que ele possa saber e não se
importar.
O politicamente
correto tem um lado bom? Tem, sim, pois nos faz reexaminar atitudes, e isso
sempre é útil. O problema é que, em todos os movimentos populares, os radicais
lunáticos rapidamente saem da margem e vão para o centro; a cauda começa a
balançar o cão. Para cada mulher ou homem que utiliza a ideia de maneira
sensata para examinar nossas crenças, há vinte arruaceiros cujo motivo real é o
desejo de poder sobre os outros, não menos arruaceiros por crerem que são
antirracistas ou feministas ou o que quer que seja.
Um amigo meu que é
professor de universidade descreve como, quando estudantes saíam de aulas de
genética e boicotavam palestrantes visitantes cujos pontos de vista não
coincidissem com sua ideologia, ele os convidou a seu estúdio para uma
discussão e para assistir a um vídeo sobre os fatos reais. Meia dúzia de jovens
em seu uniforme de jeans e camiseta entraram, se sentaram, ficaram em silêncio
enquanto ele argumentava, mantiveram os olhos baixos enquanto ele exibia o
vídeo e, como se fossem um bando, saíram do estúdio. Uma demonstração – e eles
poderiam muito bem ter ficado chocados se tivessem ouvido isso – que espelhava
o comportamento comunista, um “desabafo” que é uma representação visual das
mentes fechadas de jovens ativistas comunistas.
Vemos o tempo todo
na Grã-Bretanha, em câmaras municipais ou em conselhos diretores, diretoras ou
professores sendo perseguidos por grupos e facções de caçadores de bruxas,
usando as táticas mais sujas e cruéis. Eles afirmam que suas vítimas são
racistas ou, de alguma maneira, reacionárias. Um apelo a autoridades maiores
tem provado o tempo todo que cada uma dessas campanhas foi injusta.
Tenho certeza de
que milhões de pessoas, depois de puxado o tapete do comunismo, procuram
desesperadamente, e talvez sem perceber, por outro dogma. (Tradução de João
Lucas G. Fraga: joao_lucas_g_f@yahoo.com.br
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