“Eu só quero viver em paz”.
Pastor diz não rejeitar seu passado e que quer ser livre do sistema religioso
Depois de vários anos sumido
do noticiário nacional, o pastor Caio Fábio D’Araújo Filho voltou às manchetes
no fim do ano passado. Réu na ação movida contra ele por conta do episódio
conhecido como Dossiê Caimã – conjunto de documentos falsos que, pouco antes da
eleição presidencial de 1998, acusava altas figuras do governo de ter contas
secretas naquele paraíso fiscal –, Caio foi condenado por uma juíza federal a
pouco mais de três anos de reclusão. Cabe recurso, e o pastor já avisou que vai
até às últimas instâncias. “A juíza quer aparecer”, ataca, sustentando a mesma
versão que conta desde o início do imbróglio: a de que foi envolvido
inocentemente numa conspiração política. Essa parte de seu passado, bem como
muitas outras, já não são conhecidas pelas novas gerações de crentes. Contudo,
os evangélicos mais maduros sabem que Caio foi a mais destacada liderança
evangélica já surgida no país, cuja visibilidade, catapultada por uma ação
ministerial intensa – como a criação da organização Visão Nacional de Evangelização,
a Vinde, e da Fábrica de Esperança, megaprojeto social que atendeu centenas de
milhares de carentes num conjunto de favelas do Rio –, marcou época entre os
anos 1970 e 90.
Hoje, Caio olha para esse
passado com serenidade. Ele diz que não repudia nada do que fez, mas que não
quer mais saber de ser a figura pública, aclamada e requisitada de outrora.
“Esse tempo acabou definitivamente para mim. Minha alma não tolera mais a
possibilidade dessa vida itinerante”, diz, em sua casa em Brasília. Cercado de
árvores, jardins e recantos, é dali que ele grava os programas que exibe pela
internet, parte importante das atividades do Caminho da Graça, ministério que
hoje capitaneia. Tida como uma igreja de perfil alternativo, o grupo reúne-se
em várias cidades brasileiras e, segundo Caio Fábio, procura restaurar o
sentido da comunhão cristã. “Ele é um movimento conduzido pela Palavra e pelo
Espírito Santo. Queremos que invada a massa, abranja tudo e se torne
incontrolável como o vento que sopra onde quer”, diz, com a retórica
privilegiada que conquistou milhões de admiradores e fez sucesso em mais de 100
livros publicados. De certas experiências do passado, ele não esconde a dor –
como a separação de sua primeira mulher, Alda Fernandes, com quem teve quatro
filhos, e a trágica morte de Lukkas, o terceiro deles. Contudo, embora
muito criticado e contestado ao longo desses anos todos, ele assegura, “diante
de Deus”, que não sente mágoa de ninguém. Aos 57 anos de idade, casado com
Adriana Ribeiro, Caio Fábio D’Araújo Filho se diz em paz. “Eu sou livre. Sou
nascido do Evangelho, nascido de Jesus. Hoje, sirvo ao Senhor e não preciso
perder o meu ser, a minha saúde, a minha paz, o meu convívio familiar. Isso é
graça de Deus para mim!”
CRISTIANISMO HOJE –
Recentemente, o senhor voltou ao noticiário com a notícia de sua condenação no
processo que investiga o episódio do Dossiê Caimã. Como ficou esse processo?
CAIO FÁBIO D’ARAÚJO FILHO – Meu advogado entrou
com recurso e eu ganhei. Agora, deve seguir para outra instância. Esse processo
é uma loucura inominável. Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que
seria o maior prejudicado se a história fosse verdadeira, já veio a público me
isentar de qualquer culpa.
Se sua inocência é tão óbvia
como diz, por que um assunto praticamente esquecido pela opinião pública foi
trazido novamente à tona?
Por iniciativa de uma juíza
federal que gosta de aparecer. Como o episódio foi um fato histórico que
envolveu até a Presidência da República, ela quis ser a mulher que decretou a prisão
do indivíduo que seria o boi de piranha daquele negócio todo. Um grupo de
advogados amigos de São Paulo queria até entrar com uma representação contra
ela perante os conselhos de Magistratura, porque acharam que ela passou dos
limites. Mas o advogado que me representa nos autos não deixou.
A quem interessaria uma
condenação sua?
Ah, interessaria a muitos
religiosos. O próprio pessoal da imprensa que me ligou disse que isso é uma
coisa surreal, que aquela mulher é doida. Ninguém acredita em nada daquilo. Só
a Folha de São Paulo é que deu com um destaque maior por uma razão política que
eu não vou dizer aqui. E a TV Record [ligada à Igreja Universal do Reino de
Deus], por razões óbvias. Estou junto como réu ao lado de Paulo Maluf e
Lafayette Coutinho. No entanto, só eu fui condenado! Mas olha, se, por algum
motivo totalmente inexplicável, esse negócio chegar ao Superior Tribunal de
Justiça, será liquidado lá. E, se por alguma insanidade passar e for ao
Supremo, vai morrer na praia.
O senhor trabalha com a
hipótese de uma condenação definitiva?
Se, por alguma conjunção
cósmica totalmente irracional, eu for mesmo condenado a prestar serviço
comunitário ou fazer ação social, eu vou dar um grande “aleluia”, porque
estarei sendo condenado a ser eu mesmo, a fazer o que sempre fiz esses anos
todos, por minha total iniciativa.
O senhor concebeu e liderou um
dos maiores projetos de cunho social de iniciativa de evangélicos já feitos
neste país, a Fábrica da Esperança, considerado o maior do gênero na América Latina.
Com esta credencial, como o senhor avalia a relativamente pequena atuação da
Igreja brasileira na área social, ainda mais evidenciada quando consideramos as
altíssimas somas de dinheiro arrecadadas pelos grandes ministérios e
denominações?
Não existe nenhum grupo mais
ególatra dentre todos os movimentos religiosos planetários do que o movimento
evangélico. Isso por causa da semente dele – a semente é má, é de divisão. A
semente original, de protesto contra a Igreja Católica, transformou-se numa semente
de protesto existencial contra tudo. Essa divisão criou a ênfase no dogma
doutrinário. Isso divide, qualquer que seja o desencontro, em qualquer nível na
escala de valores. Falta tolerância naquilo que não tem significado para a
salvação, no que não altera o DNA do Evangelho. Esse tipo de tolerância no
olhar nunca existiu. O que se instituiu foi a prevalência do existencialismo
espiritual, e esse não lida com as categorias objetivas de valor. E logo o
chamado movimento protestante virou esse guarda-chuva evangélico, sob o qual
cabem todas as coisas. Quando é que pode haver unidade e serviço ao próximo se,
no meio evangélico a unção para nada serve senão para erigir egos? A unção do
Espírito Santo deve redundar no amor, na compaixão, na misericórdia, no serviço
– mas a “unção” que vemos aí só tem poder para criar lúciferes com purpurina na
cara, que atuam em palcos com luzes.
Em função deste e de vários
outros projetos e iniciativas, o senhor levantou muito mais recursos do que o
de diversos líderes de hoje, que estão até comprando aviões particulares.
À época, o senhor teve o seu?
Nunca tive avião ou
helicóptero. Faz parte da minha filosofia não adquirir nada. Nem esta casa onde
vivo eu comprei, ela me foi alugada a um valor simbólico por três senhoras
amigas. Eu nunca comprei coisa nenhuma, nunca acreditei em compra de nada. O
Caminho da Graça nunca vai comprar nada. Creio que imobilizar dinheiro do povo
de Deus com patrimônio físico é pecado. Quem diz que a nossa pátria está nos
céus e faz aquisições poderosas ou erige templos salomônicos está pecando
contra o espírito do Evangelho. Tudo o que eu construí e mantive era alugado.
Passei 25 anos declarando que não tinha o menor compromisso com a manutenção de
coisa alguma que virasse um fim em si mesmo. Quando você é dono de
propriedades, você acaba vivendo para fazer a manutenção de tudo e as coisas
perdem a finalidade.
E o senhor vive de quê?
Sempre vivi exclusivamente do
ministério. Todos os direitos autorais dos meus livros e a renda obtida com
nossas atividades no passado – TV, rádio, revista, editora – era voltada para a
atividade missionária, social, evangelizadora e de treinamento. Era tudo
reinvestido naquilo que fazíamos. E continua sendo assim hoje.
Quem o ouve falar percebe que
o senhor faz questão de traçar uma linha divisória entre o que é hoje e o que
fez, em especial em relação ao seu passado institucional, quando era uma figura
pública dentro e fora da Igreja. Há algo que o senhor repudia em seu passado?
Não. Eu nunca rechacei meu
passado. Só não faria de novo. Naquela época, contudo, foi necessário. Só de
uma coisa me arrependo no meu passado institucional: ter aceitado a imposição
de ter sido feito presidente da Associação Evangélica Brasileira [AEVB], pela
qual eu mesmo trabalhei muito para ver criada. Eu não queria a função, mas fui
eleito por aclamação. Praticamente me obrigaram a aceitar, porque a entidade
surgiu com o patrocínio da Vinde. Noventa por cento da AEVB estavam ligados aos
ministérios que eu dirigia. Eu não queria e nem precisava presidir a AEVB. Pelo
contrário – eu é que dei mídia para ela.
Mas a AEVB não cumpriu um
papel importante na época? Afinal, ela esteve à frente de movimentos marcantes
dos anos 90, como o Celebrando a Deus como Planeta Terra, o Rio Desarme-se e o
Reage Rio, entre outras mobilizações que contaram com o apoio dos evangélicos.
Quando se criou a AEVB, a
gente já havia perdido tempo demais discutindo o sexo dos anjos. Já estávamos
correndo no vácuo do prejuízo. Esperamos muitos anos num processo lento, de
muita conversa infrutífera. A AEVB só surgiu em 1991, depois que o [bispo Edir]
Macedo já havia começado a dar as cartas do neopentecostalismo brasileiro. A
AEVB foi criada com apoio desse pessoal que agora fundou a Aliança Cristã
Evangélica Brasileira e de outros, mas ninguém botava dinheiro, ninguém se
mobilizava para fazer nada.
O senhor foi convidado a
participar da Aliança?
Não fui convidado, e mesmo se
fosse, não iria, porque não acredito mais nisso. Todos esses irmãos queridos
que estão lá sabem que eu sempre quis ser livre para dizer o que eu
queria. Esse tipo de iniciativa tinha que ser criada bem antes, lá no
início dos anos 1980, quando havia muita gente séria, respeitável, de corações
generosos. Isso tinha de ser criado logo depois do Congresso Brasileiro de
Evangelização, em 1983, que para mim foi o maior evento representativo da
história da Igreja brasileira. Ali ocorreu a grande oportunidade de unidade. As
almas ainda estavam ingênuas, puras, sinceras. A teologia da prosperidade não
existia por aqui, o que prevalecia era a teologia da missão integral. Havia uma
quantidade enorme de pastores piedosos e desejosos de ver o melhor de Deus
acontecer neste país. Creio que, àquela altura, ainda dava tempo de a Igreja
ter um papel de relevância e significado, Ainda dava para virar as coisas e não
perder os significados do termo evangélico.
A sua separação foi um
acontecimento público, que envolveu adultério. Naquela época, isso ganhou
enorme peso perante a Igreja. No entanto, já àquele tempo diversas denominações
já ordenavam pastores divorciados e encaravam a questão de forma liberal.
Também são muitos os exemplos de pastores famosos – alguns, líderes de
denominações – que se divorciaram em condições semelhantes às suas, mas a
repercussão em nada se aproximou do tratamento que lhe foi concedido. Por que o
seu caso, até hoje, suscita tanto escândalo? O senhor se considera perseguido?
Eu daria três razões para este
tratamento especial e a grande comoção que o episódio causou. Em primeiro
lugar, a minha situação para essa moçada toda foi insuportável.
Ministerialmente, eu funcionava como uma espécie de foice, rodando em cima de
cabeças conceituais. Toda vez que aparecia um maluco – e eu nunca precisei
nominar os malucos, apenas expunha seus erros e dizia que o Evangelho era de
outro jeito –, essa foice cortava logo aquela cabeça, o cara virava herege. Por
isso, todo mundo tinha medo de que minha opinião conceitual colocasse alguém em
situação difícil. Eu tenho certeza absoluta da quantidade enorme de gente que
torcia por uma fragilidade de minha parte justamente por causa desse papel que
eu exercia. E esse não foi um papel que eu pleiteasse ou buscasse; ele
aconteceu espontaneamente. Foi Deus que fez isso por sua graça, eu só estava
pregando o Evangelho, que, aliás, é o que eu sempre fiz.
Então, o senhor acredita que
parte desta liderança que ai está não teria o espaço que tem se não fosse a sua
saída do cenário? Seu espólio foi negociado?
Com certeza. Não preciso falar
nada. Basta ver até 1998 quem era quem e o que aconteceu de 2000 em diante.
Quer ver uma coisa? Logo depois do que aconteceu, diante daquela comoção toda
sobre o que tinha acontecido comigo, houve uma reunião de 300 pastores em São
Paulo especificamente para tratar sobre quem ia ficar com qual parte do meu
despojo, para saber quais eram os espaços que eu havia deixado abertos e quem
deveria ocupá-los. E foram milhares que também fizeram isso. Não quero nem
falar de traição, porque no meu coração já estão todos perdoados, mas se eu
abrisse a boca ninguém ficava em pé. Esta foi uma razão. Em que pese o
fato de que eu cometi um ato pecaminoso de traição e infidelidade, isso está longe
de ser a causa principal da grande comoção. Sabe qual foi a causa? Eu ter
tomado a iniciativa de contar tudo, ou seja, por minha vontade expor tudo em
verdade, sem que qualquer coisa tivesse sido descoberta por ninguém. E eu que
ouvia a confissão de tantos deles e sabia de suas fraquezas, das
promiscuidades… E, depois, estes mesmos iam à TV bater em mim confiando na
minha integridade, pois sabiam que eu não os exporia.
E a terceira razão foi que,
naquele momento, eu aproveitei a oportunidade e pulei fora do barco. Este foi o
elemento mais doído de todos. A Igreja Presbiteriana me propôs uma discipina
como condição para minha restauração. Eu respondi que não estava pleiteando
nada, e que estava me desligando da denominação unilateralmente. Eu não queria mais
ser parte daquilo. Escrevi três cartas e eles não aceitaram nenhuma.
Pensei: “Meu Deus, isso aí não é a máfia, da qual o camarada só sai morto”!
Depois me propuseram dar o tempo que eu julgasse necessário e que, depois, se
eu quisesse voltar, seria restaurado e estava tudo certo. Mas eu disse que não
queria.
O que passava pela sua cabeça
naquele momento. O que o senhor desejava? Para onde queria ir?
Eu queria vir para cá! Queria
voltar aos meus 18 anos... Eu nunca quis ser pastor ordenado. Eu sabia quem eu
era e que Deus tinha me ungido. Sabia que isso tinha vindo do céu, e que não
dependia de ninguém. Foi a Igreja Presbiteriana que disse que não era possível
que eu, aos 19 anos, em Manaus, fosse considerado pastor pela cidade
inteira, pregasse a Palavra sem ser ordenado pastor e sem aceitar ir para
ao seminário.
Então a questão crucial foi a
rejeição?
Sim. Eles agiram
passionalmente. Era como se dissessem: “Nós amávamos esse cara e ele decidiu
não ser mais parte do nosso grupo”. E, conquanto eu estivesse fazendo aquilo
sem que, na minha mente, quisesse ofender nenhum daqueles irmãos, o que eu não
queria era, depois do acontecido, ter de me curvar a nenhum tipo de restauração
humana, mentirosa, hipócrita e plástica que queriam me oferecer. Eu sabia que o
único a me restaurar era o Senhor. Eu não aceitaria nada que não viesse daquele
que me ungiu e sabendo que entrar naquele esquema era vender a minha alma.
Então, eles aproveitaram essa minha atitude para vender ao povão a ideia de que
eu estava rebelado contra a comunhão dos santos e o amor dos irmãos.
Ao longo dos anos, foram
construídos certos mitos a seu respeito e que o rotulam como extremamente
liberal e até antibíblico. Um deles é de que o senhor, devido ao que lhe
aconteceu, seria um incentivador de divórcios, em especial de pastores. O que o
senhor tem a dizer sobre isso?
Isso é uma suposição absurda.
Já haviam acontecido milhares de separações de pastores antes da minha. E muita
dessa gente vinha me contar os dramas conjugais e chorar as mazelas comigo.
Então, é hipocrisia dizer que o que me aconteceu é que abriu as portas para que
outros pastores adulterassem ou largassem da mulher. Essa percepção a meu
respeito é suscitada pelo diabo na cabeça de muita gente doida. Eu nunca
defendi o divórcio. Defendo que continuem casados aqueles que se amam, mas que
todos aqueles que se fazem mal, que se machucam, que se ferem e se odeiam, não
deveriam estar casados, pelo bem de suas almas. Sempre aconselhei todo mundo a
não adulterar, a não trair a mulher. Quando cheguei aqui em Brasília, no meu
primeiro ano o que eu mais fiz foi atender pastores e mulheres de pastores que
queriam se divorciar e vinham me pedir aconselhamento. Gente de tudo quanto é
igreja – batistas, assembleianos, presbiterianos, pentecostais. Na medida do
possível, ajudei esse pessoal todo a não se divorciar. Eu dizia a quem me
procurava com casos extraconjugais: “Sai dessa, você vai se estrepar com essa
amante”. O que Deus uniu, que o homem não separe; e o que Deus não uniu, que
não se ajunte, porque vira uma desgraça. O que me aconteceu foi, isso sim, um
ato pecaminoso, de traição e de infidelidade. Um pecado diante de Deus e
perante a mãe dos meus filhos. Mas o que me aconteceu não teria derrubado nada
que já não estivesse demolido. É ridículo dizer que meu caso serviu de
legitimação para os atos de quem quer que seja.
Por falar nisso, como é sua
relação com Alda Fernandes, sua ex-mulher?
Ela é minha amiga. Passamos o
último Natal juntos. Estamos sempre com nossos filhos e netos.
Quando seu filho Lukkas morreu
atropelado, em 2004, houve quem atribuísse a tragédia e um juízo de Deus sobre
sua vida. O que o senhor sentiu na época e como lida hoje com as pessoas que o
criticam?
Só tive coração para a dor e a
saudade pela partida do meu filho. Nada do que soube que disseram teve poder de
gerar qualquer coisa ruim em mim. O que senti naquele momento foi paz, e se
todos os meus filhos morressem, a minha resposta seria a mesma. E tem mais uma
coisa – não existe ninguém, nenhum ser humano, que eu não tenha perdoado. Digo
isso diante do Deus vivo e dos principados e potestades malignas. Meu coração
nunca dormiu com ira em relação a ninguém, eu não tenho ódio nenhum para
contar. Não tenho inimizades contra pessoas. Por outro lado, tenho opiniões a
dar sobre ideias e conceitos equivocados de quem quer que seja. Não é por causa
do fato de eu não ter inimizade pessoal por um indivíduo que vou deixar que a
vandalização do Evangelho aconteça sem que eu me una a Paulo na luta comum da
defesa do Evangelho, como todo aquele que carrega o temor de Jesus no coração.
Esse seu discurso costuma ser
extremamente crítico em relação ao que chama de “igrejas institucionalizadas” e
“sistema religioso”. Na sua opinião, as igrejas não têm nada de bom?
Mas é claro que têm coisas
boas! Elas têm gente boa, e gente é o que existe de melhor em qualquer lugar.
Ministério, para mim, é gente, só é bom se for feito por gente e para gente.
Está cheio de gente boa de Deus nas igrejas. Mesmo quando há um pastor
paspalhão lá na frente, os bancos estão repletos de gente boa, que sente até
pena daquele indivíduo lá na frente, que faz negócios para todos os lados e com
quem apareça. Tem gente que suporta o púlpito muito mais para não perder os
relacionamentos de comunhão e o convívio de anos com os irmãos. Eles sabem que
aqueles caras lá na frente vão passar, as modas vão passar, mas eles vão
continuar ali. Existe gente maravilhosa nos ministérios. Veja aquele pessoal da
Juvep [Juventude Evangélica da Paraíba, entidade que atua de maneira
missionária no sertão nordestino], por exemplo. Eles perseveram há anos na
mesma purezinha de alma, na mesma ideia de serviço ao próximo. Há também a
Jocum [Jovens com uma Missão, movimento missionário internacional], com seus
tantos braços de ação penetrados nos lugares mais distantes, em favelas, em
comunidades miseráveis, em bolsões de carência no mundo todo.
O Caminho da Graça é uma
espécie de reinvenção da igreja?
Não, ele é simplesmente a
sequência de um caminho que eu sempre trilhei. O Caminho da Graça é a expressão
de visibilidade de uma coisa subversiva que eu incito. Eu tento fazer com que o
Caminho seja apenas, com muita leveza, um elemento de visibilidade mínima da
possibilidade de uma comunhão cristã sem que uns mordam e devorem uns aos
outros. Por isso, não tenho aquele desejo de fazê-lo crescer, ter expansão
numérica simplesmente – quero que o que cresça seja essa coisa que ninguém
nomeia, um movimento conduzido pela Palavra e pelo Espírito Santo que invade a
massa, abranja tudo e se torne incontrolável como o vento que sopra onde quer.
O senhor diz que o Caminho da
Graça é um movimento não institucionalizado, mas recentemente nomeou
presbíteros e diáconos para sua sede em Brasília. Isso não vai acabar tornando
o ministério como uma das igrejas que o senhor tanto critica?
Nós funcionamos baseados em
dons, e não em hierarquias. Nas igrejas convencionais, o diácono é mais do que
o membro e o presbítero é mais do que o diácono. Aqui no Caminho, essas funções
expressam simplesmente dons de serviço. O presbítero, o mentor, não é um
sujeito mais elevado na hierarquia, não tem poderes ou prerrogativas especiais.
Ele é simplesmente o cara que surge pela observação dos outros: “Puxa, quanta
sabedoria fulano tem recebido e manifestado”. Essas funções surgem por opiniões
múltiplas, não existe reunião de concílio ou votação para escolher ninguém. E
tem outra coisa: se, algum dia, lá na frente, o Caminho da Graça deixar de ser
o que nasceu para ser, é a coisa mais simples do mundo – acaba tudo e começa
outra vez. O problema do pessoal é que eles querem se eternizar. Querem que o
grão de trigo dure para sempre, mas se o grão não morrer, não há fruto. Eu não
quero perenizar nada. Eu só tenho o compromisso de servir à minha geração, não
quero deixar nenhum legado, nenhum império. É preciso reconhecer que a vida é
cíclica. Eu já acabei com muita coisa que tinha começado no curso da minha
vida. E que ninguém duvide que, se eu tiver vida longa e alguma coisa que estou
fazendo hoje se corromper lá na frente, eu mesmo vou lá e termino com tudo, não
espero, não.
A manutenção do Caminho da
Graça e dos ministérios a ele ligados é feita através de dízimos e ofertas?
A gente recolhe ofertas. A
espontaneidade da dádiva tem que ser baseada no amor, na alegria de dar. Quem
pode dar mais, dá mais; quem pode dar menos, dá menos; e quem não pode dar nada
não dá nada, recebe. Paulo ensinou que é justo que aqueles que recebem bens
daqueles que lhes ministram os galardoem e ajudem com bens. Mesmo com toda a
capacidade que Jesus tinha de multiplicar pães e peixes e de transformar água
em vinho, ele era sustentado pelas ofertas práticas e objetivas das mulheres
que o serviam e de outras pessoas. O princípio espiritual da doação era
operativo na vida e no ensino de Jesus e no Novo Testamento como um todo.
E quanto ao dízimo? Nesta
ótica, ele seria antibíblico?
O que as igrejas ensinam é
lei, é obrigatoriedade. A Igreja tornou-se uma espécie de agente substitutivo
do antigo templo de Jerusalém, uma espécie de “receita federal” de Deus. É uma
coletora de impostos. O dízimo é esse imposto, e ainda dizem que quem não pagar
vai sofrer as desgraças descritas no capítulo 3 de Malaquias. Como a Igreja não
ensina a obediência ao Evangelho como resultado do amor de Cristo constrangendo
nosso coração, como Paulo ensina em II Coríntios 5, as pessoas não veem a
questão da doação como algo inerente à generosidade.
Se um homossexual assumido
quiser frequentar o Caminho nesta condição, como ele será tratado?
Nunca ninguém chegou no
Caminho da Graça dizendo para mim que é gay praticante e que quer ficar ali.
Mas não sou persecutório e nem homofóbico acerca de nenhum ser humano. Se ele
quiser ficar, ouvirá o Evangelho e saberá que esse Evangelho pode criar um
espaço de generosidade misericordiosa para ele ouvir a Palavra de Deus e
crescer – mas nunca ouvirá uma única palavra de incentivo a qualquer relação
sexual que não seja heterossexual. Se eu fizesse isso, estaria
estabelecendo um paradigma que não encontro nenhum precedente para estabelecer.
Logo, ainda que solicitado, o
senhor não celebraria um casamento gay?
Eu não faço esse tipo de
casamento, até porque a união estável entre homossexuais não é casamento, é uma
relação societária, uma empresa limitada. O Estado tem o dever de defender essa
relação no que se refere ao respeito à propriedade, aos bens. Se dois gays que
construíram uma vida juntos, com aquisição de bens e tudo o mais, resolvem não
mais viver em comum, que se divida o que têm, e cada um leva a sua parte. Isso
é uma questão de Estado, não tem nada a ver com a Igreja. Mas não estimulo
nenhum tipo de união estável, a não ser aquela estabelecida entre homem e
mulher que se amem.
Sua maneira de falar e até as
roupas que o senhor tem usado provocam muitos comentários. A esta altura da
vida, o senhor sente-se livre para dizer e fazer o que quer?
Pelo amor de Deus, você não
pode mais ser o que é? Eu me visto desse jeito porque gosto. Eu sou só um
carinha que deseja viver. Quem não gosta do meu jeito é livre para viver da
maneira que quiser. Eu sou livre como o Evangelho. Sou nascido do Evangelho,
nascido de Jesus. Sou como o vento, nascido do Espírito Santo. Quem não suporta
minhas declarações, minha sinceridade e a propriedade do que digo que vá dormir
com esse barulho.
(Colaborou Carlos Fernandes)
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