O crescimento do interesse pela fé reformada em todo o mundo é um fato
que tem sido notado aqui e ali pelos estudiosos de religião. Crescem em toda a
parte a publicação de literatura reformada, o ingresso de estudantes em
seminários e instituições reformadas, a realização de eventos, o surgimento de
novas igrejas e instituições de ensino reformadas e o número de pessoas que se
dizem reformadas.
Como se trata de um rótulo, é preciso definir “reformado.” Como já temos
dito em outros posts neste blog, por “reformado” entendemos aquele que adere a
uma das grandes confissões reformadas produzidas logo após a Reforma
protestante no século XVI, aos cinco grandes pontos dessa Reforma, que são Sola
Scriptura, Sola Gratia, Sola Fides, Solus Christus e Soli Deo Gloria e aos
chamados Cinco Pontos do Calvinismo, resumidos no acrônimo TULIP
(Depravação total, Eleição incondicional, Expiação limitada, Graça irresistível
e Perseverança final). Muito embora alguns não gostem do nome, quem adere a
tudo isso acima não deixa ser um calvinista.
Como bem me lembrou Mauro Meister quando eu escrevia esse post, existe
um grande número de igrejas que são da "tradição reformada" mas que
já não crêem de maneira ortodoxa quanto a estas doutrinas. Geralmente essas
igrejas não estão experimentando esse crescimento, mas um esvaziamento, como a
Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos e outras denominações historicamente
ligadas à Reforma, mas que já não professam de forma estrita seus postulados.
Da Coréia, China, Indonésia, por exemplo, chegam relatórios do
florescimento calvinista. É claro que o calvinismo acaba recebendo diferentes
interpretações e expressões em tantas culturas variadas, mas os pontos centrais
estão lá.
Isso não quer dizer que os reformados calvinistas são muito numerosos,
comparados com pentecostais e arminianos, por exemplo. O que eu quero dizer é
que os relativamente poucos reformados calvinistas têm experimentado um
crescimento que já chama a atenção de muitas denominações e tem provocado
alertas da parte de seus líderes.
Vejam o que está ocorrendo na maior denominação evangélica dos Estados
Unidos, os Batistas do Sul. A prestigiosa revista evangélica Christianity
Today trouxe um artigo em que documenta a reintrodução do calvinismo através
dos seminários nessa denominação. O ressurgimento do calvinismo entre os
Batistas do Sul é mais antigo, leia aqui. Considerados de orientação arminiana de longa data
(apesar de alguns documentos fundantes serem calvinistas), os Batistas do Sul
estão vendo o calvinismo sendo transmitido nos seminários, não tanto por
professores, mas pelos próprios alunos. Alarmada, a Convenção Batista de
Oklahoma oficialmente rejeitou a teologia reformada e mandou cópia da
condenação para a Comissão Executiva da Convenção Batista do Sul.
De acordo com o artigo da Christianity Today, 10% dos pastores da
Convenção já se declaram calvinistas e perto de 30% dos concluintes dos
seminários fazem a mesma afirmação. A continuar nesse ritmo, em breve teremos
um grande reavivamento calvinista no coração da maior denominação arminiana
conservadora dos Estados Unidos. Veja aqui a história de como a doutrina da predestinação
chegou a dois seminários arminianos.
A ressurgência calvinista nos Estados Unidos não está ocorrendo somente
entre os Batistas, mas entre muitas outras denominações. Leia aqui um artigo da Christianity Today sobre o assunto. Um
dos motores é o ministério de pastores reformados populares, como John Piper,
R. C. Sproul, Mark Driscoll, J. C. Mahaney, Paul Washer e John MacArthur, entre
outros. Os eventos promovidos por eles recebem milhares de pastores de todas as
denominações e seus livros são traduzidos em dezenas de línguas, inclusive em
português. No Brasil temos quase todos os títulos destes autores.
Em menor escala, estamos assistindo ao mesmo processo em meio aos
batistas brasileiros. Cresce o número de batistas interessados na teologia
reformada. Recentemente assistimos à formação da Comunhão Batista Reformada,
composta de batistas calvinistas que não conseguiam mais espaço em suas
convenções para expressarem as suas opiniões.
Mas, o interesse maior na fé reformada no Brasil parece ser da parte dos
pentecostais. Cresce a presença de pastores e líderes pentecostais nos grandes
eventos reformados no Brasil. Cresce também o número de pentecostais que estão
adquirindo literatura reformada. E cresce o número de igrejas pentecostais
independentes que estão nascendo já com uma teologia influenciada pelo
calvinismo. Algumas denominações pentecostais também vêm recebendo a influência
calvinista a passos largos. Tenho tido o privilégio de pregar e ministrar
palestras em eventos de grande proporção organizados por instituições
pentecostais interessadas em explorar os grandes temas reformados.
O ministério de editoras que publicam material reformado, como a Editora
Cultura Cristã, a Fiel e a Publicações Evangélicas Selecionadas, por exemplo,
tem servido para colocar as obras de reformados brasileiros e internacionais
nas mãos dos evangélicos brasileiros ávidos por uma teologia consistente, e
cansados dos excessos do neopentecostalismo e da aridez do liberalismo
teológico.
Não tenho uma explicação definitiva para esse fenômeno do retorno da
TULIP, a não ser a de que a providência divina assim o deseja. No mínimo, é
curioso que uma fé tão perseguida e odiada como o calvinismo, de repente, passe
a ter tanta aceitação. Não há ninguém na história da Igreja tão mal entendido,
distorcido, vilipendiado, odiado e amaldiçoado quanto João Calvino. Chamado de
tirano, déspota, incendiário de hereges, frio, duro, determinista, criador do
capitalismo selvagem, Calvino tem sofrido mil mortes nas mãos de seus
detratores, os quais, na maioria das vezes, nunca leram sequer uma de suas
obras, e que formaram sua opinião lendo obras de terceiros.
Somente espero que, à medida que o movimento cresça no Brasil, os
reformados aprendam a reter o que é essencial e bíblico na Reforma, sem tornar
em matéria de fé aquilo que pertenceu a séculos passados em outras culturas,
como, infelizmente, já tem acontecido no Brasil com alguns grupos. Que eles
lembrem que a fé bíblica, que é a fé da Reforma, também pode se expressar
dentro da rica e variada cultura brasileira.
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