Postado por Augustus Nicodemus
Lopes em "O Tempora O Mores"
[Não se preocupem, o apóstolo
Juvenal não existe. Também nunca tive amigo que virou apóstolo. O apóstolo
Juvenal é uma personagem fictícia, embora baseada em personagens da vida real.]
Meu caro
Juvenal,
Espero que
você se lembre de mim, o Augustus Nicodemus, seu colega de turma do seminário
presbiteriano (talvez você se lembre pelo apelido "Brutus" que eu
odiava...!). Faz uns 20 anos que não temos contato. Só recentemente consegui
seu e-mail, com o Mário, nosso amigo comum.
Desculpe
não lhe tratar como "apóstolo". Você sabe, desde os tempos do
seminário, que minha opinião é que os apóstolos constituíram um grupo único e
exclusivo na história da Igreja e que hoje não existem mais. Qual não foi a
minha surpresa quando me deparei com seu programa de televisão e com você se
apresentando como "apóstolo" Juvenal! Eu não sabia que você tinha
deixado o pastorado em nossa denominação, montado uma comunidade e adquirido
esse título de "apóstolo", o qual, como já disse, não consigo
reconhecer como legítimo.
Você sabe que para nós, cristãos históricos reformados, os apóstolos de Jesus Cristo tiveram um papel crucial e extremamente relevante na fundação da Igreja cristã. É um cargo, um ofício, tão sério e fundamental, que ver pessoas usando esse título nos dias de hoje causa um grande desconforto, uma profunda perplexidade e tristeza inominável. Não consigo imaginar uma banalização maior do que essa. Não que você seja uma pessoa indigna, pífia, pérfida ou mesquinha -- não se trata disso. Eu sentiria a mesma coisa se o próprio Calvino resolvesse usar esse título para si.
Não sei o que se passou por sua cabeça para que você, que conhece a Bíblia e a história da Igreja, resolvesse virar um "apóstolo" e montar sua própria comunidade. Pelo seu programa de televisão, ficou patente para mim que você adotou os cacoetes, o linguajar e as idéias que são próprias dos outros "apóstolos" que já estão por ai há mais tempo que você. Valendo-me da nossa amizade dos tempos de seminário, resolvi escrever-lhe e tirar as dúvidas, perguntar diretamente a você, para não ficar imaginando coisas.
1) Quem
foi que lhe conferiu esse status, Juvenal? Refiro-me ao título de
"apóstolo". Nas igrejas históricas ninguém toma para si o cargo, a
função e o título de diácono, presbítero, pastor. São títulos concedidos por
essas igrejas a pessoas que elas reconhecem como vocacionadas e aptas para a
função. Não sei quem lhe conferiu esse título de "apóstolo". Ouvi
falar que existe um conselho de apóstolos no Brasil, ligado a outros conselhos
similares no exterior, que é quem ordena e investe os apóstolos no Brasil. Mas,
pergunto, quem ordenou, investiu e autorizou os membros desse conselho de
apóstolos? Em algum momento, chegaremos ao ponto em que alguém se autonomeou
apóstolo, já que esse título e ofício deixaram de existir na Igreja Cristã
desde o século I. Os apóstolos de Cristo não deixaram sucessores que por sua
vez fizessem outros sucessores, numa corrente ininterrupta até os dias de hoje.
Só quem reivindica isso é o Papa e nós não aceitamos essa reivindicação --
aliás, esse foi um dos motivos da Reforma protestante ter acontecido. Por isso,
considero a utilização do título "apóstolo" hoje como uma usurpação,
uma apropriação indevida dentro da Igreja de uma função histórica que não mais
existe.
2) Fala
sério, Juvenal, você acha mesmo que é um apóstolo? Quando você usa esse título
para si, você está se igualando aos Doze Apóstolos e a Paulo, ou simplesmente
usa o termo no sentido de "enviado, missionário", que é o sentido
básico da palavra no grego? Se for nesse último sentido, fico menos
consternado. Há outras pessoas na Bíblia que são referidas como apóstolos, além
dos Doze e Paulo, como Tiago, irmão do Senhor (Gálatas 1:19; mas veja
1Coríntios 9:5 onde Paulo distingue entre apóstolos e os irmãos do Senhor) e
Barnabé (Atos 14.14). O sentido aqui é quase sempre de enviado de igrejas
locais, missionário, para usar o termo mais popular. Todavia, esse uso é
secundário e desconhecido pelas igrejas modernas. Quando se fala em
"apóstolo", as pessoas imediatamente associam o termo a Pedro, Tiago,
João, Paulo, etc. Usar o título "apóstolo" hoje é igualar-se a eles
ou, no mínimo, causar confusão na mente das pessoas. Você acredita mesmo que é
um apóstolo como Paulo, Pedro, João, Mateus, André, Felipe, etc.?
3) Se você
acredita, então minha próxima pergunta é essa: você viu Jesus ressurreto? Ele
lhe apareceu e lhe comissionou como apóstolo? Pois foi assim que ele fez com os
Doze e com Paulo. Todos eles foram chamados diretamente por Jesus e o viram
depois da ressurreição. Se você disser que Jesus lhe apareceu e lhe
comissionou, pergunto ainda como fica a declaração de Paulo em 1Coríntios 15:8,
"e, afinal, depois de todos, [Cristo] foi visto também por mim, como por
um nascido fora de tempo"? Ele está defendendo que Jesus apareceu a várias
pessoas, depois da ressurreição, e "afinal, depois de todos" apareceu
a ele. Literalmente, no grego, Paulo está dizendo que "por último de
todos" (eschaton de pantwn) Cristo apareceu a ele. Ou seja, Paulo
entendia que a aparição do Cristo ressurreto a ele era a última de uma
seqüência. É assim que os cristãos históricos sempre entenderam. Se a condição
para ser apóstolo era ter visto Jesus ressurreto, conforme Pedro declarou (Atos
1:22; veja também 1Coríntios 9:1), então Paulo foi o último apóstolo. Desculpe,
não creio que Cristo lhe apareceu no corpo da ressurreição. Se você disser que
sim, prefiro acreditar em Paulo, de que ele foi o último.
4) Você
acha, sinceramente, que usar esse título de alguma forma vai ajudar a Igreja?
Em que sentido? Veja só, grandes líderes da Igreja, através de sua história, pessoas
que deram contribuições duradouras na área de teologia, missões, social, nunca
buscaram esse título. Nem mesmo aqueles grandes homens de Deus que viveram na
época imediatamente após os apóstolos e que foram discípulos deles, como Papias
e Policarpo. Outros, como Agostinho, Calvino, Lutero, Wesley, Spurgeon, e os
grandes missionários como Carey, jamais arrogaram para si essa designação. Se
alguém teria esse direito, depois dos apóstolos, seriam eles, e não pessoas
como você e outros que se apropriaram desse título, e cuja contribuição para a
Igreja cristã é mínima comparada com a contribuição deles.
5) Outra
pergunta. Pelo que entendi, você é o fundador e presidente dessa igreja
"Igreja Apostólica Global da Misericórdia de Deus". Como você
concilia isso com o fato de que os apóstolos de Cristo não se tornaram donos,
presidentes, chefes e proprietários das igrejas locais que eles fundaram? Eles
eram apóstolos da Igreja de Cristo, da igreja universal, e não de igrejas
locais. A autoridade deles era reconhecida por todos os cristãos de todos os
lugares. Aonde eles chegavam eram recebidos como emissários de Cristo, com
autoridade designada por ele. A prova disso é que os escritos deles, como os
Evangelhos e as cartas, foram recebidos por todas as igrejas como Palavra de
Deus e autoritativas em matéria de fé e prática, foram organizadas e
colecionadas naquilo que hoje conhecemos como o cânon do Novo Testamento.
Pergunto, então: quem reconhece sua autoridade como apóstolo? As igrejas
cristãs do Brasil ou somente sua igreja local? Seus escritos, seus sermões --
eles são recebidos como Palavra infalível e autoritativa da parte de Deus em
todas as igrejas cristãs ou somente na sua igreja local?
6)
Juvenal, pelo que me recordo de você, você sempre foi uma pessoa com
dificuldades de relacionamento com as autoridades. Lembra daquela suspensão que
você pegou no seminário por desacato ao diretor e ao capelão? Para não
mencionar as brigas constantes que você tinha em sala de aula com os
professores, não por causa dos conteúdos, mas porque você insistia em
questionar, às vezes até zombeteiramente, a autoridade deles em sala de aula.
Lembrando-me desse traço da sua personalidade e do seu caráter, até que posso
entender o motivo pelo qual você resolveu abandonar o sistema conciliar da
nossa denominação e fundar uma outra, onde você é o chefe supremo. Imagino que
você não presta contas a ninguém da sua conduta, do que ensina e de como usa os
recursos financeiros que arrecada. Afinal de contas, acima dos apóstolos só
Jesus Cristo, e pelo que sei, ele não emite nada-consta nessas áreas...
7) Uma
última pergunta e depois vou lhe deixar em paz. Você faz os mesmos milagres que
os apóstolos fizeram? Não me refiro a curas em massa de pessoas que não têm CPF
nem endereço e que foram curadas de males internos como enxaqueca, espinhela
caída, pressão alta, etc. Refiro-me à curas daquele tipo efetuadas pelos
apóstolos de Cristo, de aleijados, surdos, cegos, paralíticos, cujas
deformidades, endereço e identidade eram conhecidos das comunidades. Refiro-me
às ressurreições de mortos, como a ressurreição de Dorcas feita por Pedro. Você
faz esse tipo de sinais? Os apóstolos não fracassaram nunca quando diziam
"em nome de Jesus, levanta-te e anda". O índice de sucesso deles era de
100%. E as curas eram instantâneas e completas. Quem era cego voltava a ver
completamente, e não em parte. Aleijados voltavam a andar e a pular. Você faz
isso, Juvenal? Você se incomodaria em me deixar participar de uma daquelas
reuniões de cura que você anuncia em seu programa, para que eu entrevistasse as
pessoas que dizem ter sido curadas? Não me leve a mal, mas é que tem muita
charlatanice nesse meio, muita gente que é paga para dar testemunho falso de
cura, muitos que pensam que foram curados quando no máximo foram sugestionados
nesse sentido. Curas reais e autênticas serão assim comprovadas por laudo
médico, exames, etc. Não é que eu não creia em milagres hoje. Eu creio, sim,
que Deus cura hoje em resposta às orações. Inclusive, eu mesmo já fui curado em
resposta às orações. O que eu não creio é que existam hoje pessoas com o dom
apostólico de curar simplesmente pelo comando verbal, e de realizar curas
imediatas e completas de aleijados, cegos, surdos, paralíticos, doentes
mentais, cancerosos, aidéticos, etc. Esse dom fazia parte do equipamento
apostólico e servia como "credenciais do apostolado", conforme Paulo
declarou aos coríntios (2Coríntios 12:12). Se você não é capaz de fazer os
sinais que os apóstolos faziam, não creio que tenha o direito de se chamar de apóstolo.
Bom, não
sei se você vai me responder. Fique à vontade. Eu precisava lhe perguntar essas
coisas, para não ficar imaginando no coração que você é um mercenário, uma
daquelas pessoas que está disposta a tudo para ganhar poder, espaço e dinheiro,
mesmo que seja às custas da credulidade do povo brasileiro e em nome de Deus.
Um abraço,
Augustus
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