Quando um candidato nega, sem a menor cerimônia, convicção já expressa reiteradas vezes com a finalidade única de se ater às conveniências do marketing eleitoral, importa menos o teor do tema em questão e mais o gesto oportunista. É este que conta quando Dilma Roussef assume súbita atitude crítica ao aborto.Em 2008, em sabatina à Folha de S. Paulo, em vídeo que circula na internet, se dizia não apenas favorável à descriminalização do aborto como achava “um absurdo” que a questão ainda não estivesse resolvida no Brasil. Mais claro, impossível.
Falava ali à vontade, já que as eleições estavam ainda longe e não havia sinais de que aquele tema fosse tão caro a uma parcela expressiva da população – evangélicos e católicos.
No ano seguinte, em dezembro de 2009, a Casa Civil da Presidência da República, sob a chefia de Dilma, punha em cena o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), que alçava a descriminalização do aborto ao nível de causa humanitária.
Em 2010, já no período da pré-campanha, a candidata inscrevia no Tribunal Superior Eleitoral o seu programa de governo. Lá estava de novo a defesa da descriminalização do aborto. Houve protestos e um recuo estratégico. Nada, porém, que sugerisse que a candidata mudara de opinião, já que o programa fora apresentado no ato mesmo do lançamento de sua candidatura, semanas antes.
Confronte-se o que lá estava, mais as declarações de viva voz, com as negativas veementes de agora, em que sustenta que jamais defendeu aquela causa. Como classificar essa postura contraditória, que acima de tudo é de enorme ineficácia, já que facilmente desmontável (como, aliás, está sendo)?
Nada impede que alguém mude de ideia. Em alguns casos, é até salutar, sinal de humildade e, mesmo, de inteligência. Não é, porém, o caso. Dilma não fez qualquer mea culpa ou sinalizou ter simplesmente mudado de opinião. Apenas passou a dizer que foi “sempre favorável à vida”, expressão vaga, já que ninguém, em tese, é favorável à morte (exceto talvez os fabricantes de caixões).
A mesma atitude se dá em relação a temas igualmente delicados, como liberdade de imprensa e invasões de terras. Ambos constam do 3º PNDH, que propõe “controle social da mídia” e descrimina as invasões, criando restrições a que o invadido recorra ao Judiciário, submetendo-o antes a uma comissão de que faz parte o próprio invasor. Dilma jura que o único controle que admite para a mídia é o aparelho de controle remoto. Mas não explica por que seu programa de governo consagrava aquela proposta.
Com relação às invasões, já deu declarações antagônicas. Diante de uma plateia de sem-terra, colocou o boné da entidade e considerou absurdo “criminalizar” os movimentos sociais. Diante de plateia de empresários do agronegócio, condenou as invasões.
O que vale no duro? Se, como no jogo do bicho, “vale o escrito”, então prevalece o que no 3º PNDH e no seu programa de governo (neste, com sua rubrica). Se vale o dito, é só conferir os vídeos, disponíveis na internet e o que disse aos sem-terra.
É essa sua fragilidade maior, que ganhou destaque na polêmica do aborto: falta de nitidez, hesitação diante de temas polêmicos. E é compreensível que assim seja. Ela se equilibra entre polos opostos, numa aliança eclética, que reúne segmentos radicais do PT – que, conforme José Dirceu, vê na sua eleição, a oportunidade de, enfim, impor seu programa - e a banda fisiológica do PMDB, que têm objetivos distintos em relação ao poder.
O que os une é tão somente o apetite comum por cargos. Essa discussão já marca os momentos iniciais do segundo turno.
Ruy Fabiano é jornalista
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