- Brasil tem edição similar 'que faz sucesso entre
leitores de clássicos' - Lançamento de tradução norueguesa provocou filas na
porta das lojas.
O principal evento literário da Noruega em 2011 não
foi uma das rentáveis histórias de mistério que a Escandinávia passou a
exportar ao mundo na esteira do sucesso ilimitado da trilogia “Millennium”,
escrita pelo sueco Stieg Larsson. A obra que encerrou o ano como best-seller por
lá foi a Bíblia. Mas não uma edição qualquer da Bíblia: para produzir esta nova
tradução para o norueguês – a primeira em 30 anos –, foram convocados 12
escritores, alguns entre os mais notórios do país nórdico. Trabalharam, ao
longo de seis anos, junto de um time composto por 30 tradutores.
Ao reaparecerem na Noruega, vertidas diretamente do
grego e do hebreu, as Sagradas Escrituras se converteram em fenômeno. No
lançamento, houve gente em filas varando a madrugada diante de livrarias –
“estilo ‘Harry Potter’”, cita um texto do jornal britânico “The Guardian”. Em
entrevista ao diário, Stine Smemo Strachan, da Sociedade Bíblica Norueguesa,
falou que se desejava oferecer uma versão “legível” e com “boa linguagem”.
“Nenhum dos autores é religioso – eles são apenas bons escritores que
imaginaram que seria um projeto interessante no qual se envolver.”
Resultado: 79 mil cópias comercializadas em poucas
semanas, bastante acima da expectativa inicial, o que Strachan atribui à
“legibilidade” e ao fato de se estar diante de um “evento cultural”. Para ele,
há razões além da religião por trás disso. Quem está adquirindo não seriam
apenas cristãos, do contrário as cifras seriam mais modestas. Há gente
interessada também no texto em si.
Bíblia em versão literária (Foto: Divulgação)
Literária
A Sociedade Bíblica Norueguesa editou uma segunda
opção do mesmo texto: é uma Bíblia sem capítulos nem versos, para ser lida
“como um romance”. Vendeu “incrivelmente bem”, nas palavras de Strachan. A
reportagem do “The Guardian” a descreve como sendo uma Bíblia “literária”. É o
mesmo termo estampado na capa de um dos títulos comercializados pela Sociedade
Bíblica do Brasil (SBB), que publica quatro traduções da Bíblia, em variados
modelos. A obra em questão se chama “O
Livro dos livros – Edição literária da Bíblia Sagrada” e,
sintomaticamente, foi lançada na Bienal do Rio de 2011.
Não está na forma, contudo, a única diferença entre
esta versão e a convencional. Em entrevista ao G1, o teólogo e
linguista Paulo Teixeira, secretário de tradução e publicações da SBB, explica
que a literária é “uma Bíblia de nicho, de segmento”. E que segmento seria
esse? “O leitor em geral, o sujeito que gosta de ler um Dante [Alighieri, autor
de “A divina comédia”], alguma coisa de ficção mais moderna, como o [J.R.R.]
Tolkien [autor de “O senhor dos anéis”]. Faz um sucesso muito grande entre
leitores de clássicos.”
Mais vendidas
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, publicada
em 2008 pelo Instituto Pró-Livro, colocou as Sagradas Escrituras como livro
mais lido – e com folga – pelos brasileiros. À época da apuração, feita em
novembro e dezembro de 2007, "6,9 (7%) milhões de leitores estavam lendo a
Bíblia": ela foi 18 vezes mais citada que vice-campeão, "O código Da
Vinci". Quando a pergunta foi "qual o livro mais importante da
vida do leitor", deu de novo a Bíblia no primeiro posto: ela foi dez vezes
mais lembrada que o segundo colocado, "O sítio do pica-pau amarelo".
O levantamento considerou 92% da população brasileira de então, ou 172,7
milhões de pessoas.
A assessoria de imprensa da Câmara Brasileira do
Livro (CBL) afirma não saber qual a editora que mais vende Bíblias no país. Por
parte da SBB, Teixeira oferece “uma estimativa”: “A gente tem entre 70 e 80% do
assim chamado mercado brasileiro”. Trasposta para números absolutos, tal
participação chegou a 6,78 milhões de unidades em 2011. Um recorde, aponta o
secretário: “Isso, de Bíblias completas. E temos também diversas categorias,
como a comum, que é apenas o texto bíblico, a de estudo, que contém comentários
pra facilitar a compreensão...”.
Ele destaca uma “categoria”, em particular, que tem
conquistado o público. Lançada em 2000, a “Nova tradução na linguagem de hoje”
é a que mais cresce na predileção dos leitores. No site da SBB, ela é detalhada
como “clara, exata e natural”. É, precisamente, o texto que a editora coloca
também em “O Livro dos livros – Edição literária da Bíblia Sagrada”. Muda só a
diagramação – a exemplo do similar norueguês, não apresenta colunas ou
versículos.
Perguntado se a SBB cogita promover uma ação
coletiva, agora encabeçada por escritores brasileiros, para tentar repetir o
“evento cultural” que tomou a Noruega, Teixeira responde que “até este momento,
ainda não pensamos”. Mas acha que “pode ser, sim, interessante”: “Acredito que
envolver, digamos, celebridades literárias brasileiras, numa tradução ou numa
releitura, pode ser muito bem-vindo. Até para quebrar o paradigma de que é um
livro meramente religioso...”
Como exemplo da prática, ele recorre a uma das
traduções que a editora publica, lançada originalmente em 1917. “Só pra você
ter uma ideia do calibre das pessoas que participaram, o revisor de estilo e
gramático foi o [político e escritor] Rui Barbosa. Os outros foram o [também
político e escritor] Heráclito Graça e o [escritor, jornalista e pesquisador de
literatura] José Veríssimo.”
Tradução
No Brasil, não existe uma tradução considerada a
oficial da Bíblia, esclarece o padre Valdeir dos Santos Goulart, diretor
editorial da Edições CNBB, ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Paulo Teixeira concorda que o “principal cliente”
da SBB não é a igreja católica: “Mas nós não distinguimos entre evangélicos e
católicos”. Por outro lado, ele rejeita a descrição da instituição, fundada em
1948, como sendo “ecumênica”. “Evidente que a maioria absoluta tem a
configuração protestante, evangélica, mas as escrituras em geral, e as obras
acadêmicas que também publicamos, elas atingem todo mundo, tanto o evangélico
quanto o seminarista católico.”
Tamanha produção é garantida pela Gráfica da
Bíblia, que fica na sede nacional da SBB, em Barueri (SP). A gráfica, que
iniciou atividades em 1995, armou, no ano passado, uma solenidade para celebrar
a marca de 100 milhões de Bíblias impressas: 87 milhões na versão integral e
mais 13 milhões de Novos Testamentos. Parcela disso é exportada, em textos
escritos em idiomas que vão do espanhol e do inglês ao árabe e ao iorubá,
língua falada em países da África. Em norueguês, por enquanto, não.
Fonte: http://g1.globo.com
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