Nossas
igrejas estão sempre tendo problemas relacionados à disciplina de membros. Se a
igreja é fiel e bíblica ao disciplinar, há a necessidade de que todos os
membros compreendam as bases bíblicas para tanto; se a igreja é falha, é
necessário que todos se conscientizem das razões dadas pelas Escrituras para a
aplicação da disciplina e dos perigos e conseqüências de negligenciá-la. Esse
é, portanto, um tema sempre relevante. Não se trata de um caminho opcional para
a administração da igreja, mas de uma trilha necessária, que deve ser
entendida, acatada, apoiada e aplicada, para que tenhamos saúde espiritual em
nosso meio.
O exercício da disciplina na igreja é algo tão importante que o reformador João Calvino a considerou, ao lado da proclamação da Palavra e da administração dos sacramentos, uma das marcas que distinguem a igreja verdadeira da falsa. Ou seja, na igreja falsa não somente está ausente a pregação das inspiradas Escrituras e os sacramentos são antibíblicos, ou incorretamente administrados, mas ela é negligente, também, na preservação de sua pureza moral e doutrinária. A igreja, às vezes, não segue os passos e objetivos de disciplina eclesiástica delineados na Palavra de Deus. Quando negligencia essa área, passa a abrir mão da identidade peculiar dos seus membros, perante o mundo. O resultado é que a autoridade na pregação e o testemunho do Evangelho ficam prejudicados.
Não
queremos desenvolver um espírito de censura gratuita, no qual enxerguemos
sempre o argueiro no olho do irmão antes da trave que está no nosso. Mas
precisamos despertar um senso de comportamento bíblico que faça justiça ao nome
de Cristo e que não envergonhe o Evangelho. Isso começa com o cuidado sobre a
nossa própria vida e deve se estender pela nossa igreja local.
A
disciplina, exercida com amor, pelas razões especificadas na Bíblia e com os
objetivos que ela prescreve, deve ser exercida na esfera pessoal e apoiada e
compreendida quando já estiver na esfera do Conselho da Igreja, ou de outras
autoridades superiores.
Queremos
examinar alguns textos bíblicos que se relacionam com a disciplina na igreja.
Alguns outros tratam igualmente desse assunto, mas os que apresentaremos são
fundamentais à nossa compreensão. Com o seu exame, oramos para que sejamos
despertados ao apreço da pureza tanto do indivíduo como da igreja visível.
1.
O perigo da falta de disciplina
Paulo,
escrevendo à igreja da Corinto (1 Co 5.1-13), alerta para os perigos que
sobrevêm quando se é negligente na aplicação da disciplina. Nesse trecho lemos:
Geralmente,
se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os
gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai.
E,
contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse
tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? Eu, na verdade, ainda que
ausente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei, como se estivesse
presente, que o autor de tal infâmia seja, em nome do Senhor Jesus, reunidos
vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor, entregue a Satanás
para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor
Jesus.
Não
é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa
toda? Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de
fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado.
Por
isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da
maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade. Já em
carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; refiro-me, com isto,
não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou
idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo.
Mas,
agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for
impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com
esse tal, nem ainda comais.
Pois
com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro?
Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor.
Notem,
no trecho, os seguintes pontos que o Espírito Santo fez registrar para a nossa
instrução:
a.
O pecado na igreja entra em choque com o seu caráter santo, mas ele ocorre. Não é negando a realidade de sua existência que
resolvemos o problema. No versículo 1, ele diz: "...há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os
gentios...". Ou seja, o que estava ocorrendo
naquela igreja chocaria até os descrentes, mesmo com sua visão dissoluta.
b.
Muitos pecados atingem um estágio público e notório. Esse mesmo versículo 1 começa com as
palavras: "Geralmente, se ouve que há entre vós...". A questão não era privada, de mais fácil
resolução e aconselhamento, mas já se espalhara, chegando até ao conhecimento
de Paulo, que se encontrava distante.
c.
Acomodação e orgulho. A falta de ação
revelava acomodação da consciência individual e coletiva ao pecado, em forma de
rebeldia e soberba. No versículo 2, Paulo se espanta que aqueles irmãos "... não chegaram a lamentar"
toda aquela demonstração de vida em pecado. Paulo diz ainda que eles se achavam
"ensoberbecidos", ou seja, se orgulhavam da postura tomada em vez de
estarem conscientes do mal que era causado ao testemunho do Evangelho. Ainda
sobre a ausência de disciplina naquela igreja Paulo diz: "... não é boa a vossa jactância..."
(v.6). Eles nada haviam feito, portanto, para "... tirar do meio" o que havia praticado aquilo que
o próprio Paulo chama "ultraje" e "infâmia" (v.3). Quando a
disciplina não é exercida, nossas consciências vão sendo cauterizadas e
conformamo-nos ao modo de comportamento do mundo e, também, deixamos de nos
chocar, de identificar o contraste com a forma de vida prescrita para o servo
de Deus. Paulo ensina que a ação correta era a exclusão daquele membro (v. 5) –
ele deveria ser "entregue a Satanás", ou ser considerado como descrente, pois o
seu modo de vida não testemunhava uma conversão verdadeira. Estaria, portanto,
sob o domínio de Satanás. Essa constatação não era para ser feita
individualmente, mas corporativamente, pela autoridade e no poder de Cristo. No
versículo 4 ele escreve: "...em nome do Senhor
Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor...".
d.
O perigo especificado. Paulo
diz (vs. 6 e 7): "...Não sabeis que um pouco de fermento
leveda a massa toda? Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa,
como sois, de fato, sem fermento."
A igreja era para ser "massa sem fermento" – pura. A admissão de um
pouco de fermento, apenas, atingiria toda a massa. Ou seja, deixar que o
comportamento incompatível com a fé cristã permaneça no seio da igreja, sem
disciplina, significa pôr em risco a saúde espiritual de toda a comunidade.
e.
As marcas da Igreja. Paulo ensina (v. 8)
que a igreja deve ser conhecida pela "...sinceridade
e verdade..." e não pelo "...fermento da maldade e da malícia".
f.
O esclarecimento quanto à associação. Paulo
reconhece que o mundo é constituído de impuros. Ele diz que não está ensinando
que a igreja deva se isolar do mundo. Existindo no mundo ela terá contato com
"...avarentos, ou roubadores, ou
idólatras..." (v.10). Mas ele reforça que não
deve haver "associação com impuros" (v.9) e explica quem são esses a quem ele
chama de impuros, no versículo 11 – é aquele que "...dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou
maldizente, ou beberrão, ou roubador...".
Ou seja, é aquele que professa a fé cristã, mas tem comportamento imoral
("impuro"); ou tem afeição descabida pelas suas próprias posses
materiais ("avarento"); ou o que distorce a religião verdadeira por
sua prática ou ensinamentos ( "idólatra"); ou o que tem o hábito de
caluniar ou de espalhar boatos ("maldizente"); ou o que está sob o
domínio de substâncias que impedem o comportamento racional
("beberrão") – nas quais estão a bebida alcoólica e, certamente, as
drogas –, em vez de sob o controle do Espírito Santo; e, finalmente, o que
demonstra ganância e não respeita a propriedade alheia ("roubador").
g.
A rigidez da disciplina – A necessidade
era a de se exercitar "julgamento interno" (v.12) contra o
"malfeitor", expulsando-o do seio da igreja (v. 13). Esse julgamento
deveria ser evidente a todos e deveria ser sentido pelo disciplinado; isto é,
ele deveria sentir que a comunhão fraterna havia sido atingida pelo seu pecado:
"com esse tal, nem ainda comais". Muitas vezes membros, com boas intenções,
confundem o desejo legítimo de restauração do disciplinado com um apoio
prejudicial ao mesmo. Não se limitam a indicar que estão em oração, mas colocam
"panos quentes" na ação do Conselho. Muitas vezes os disciplinados
são alvo de um aconchego e atenção após a disciplina que não somente minam a autoridade
da igreja, mas são prejudiciais ao próprio disciplinado, que deixa de sentir os
efeitos danosos da falta de comunhão que o seu pecado causou. A advertência de
Paulo é dura, mas devemos orar a Deus por sabedoria para saber como aplicar
essa exortação com respeito a membros disciplinados por pecados graves nas
nossas igrejas, de tal forma que eles sintam que algo mudou e que a comunhão
procedente do Espírito é restaurada mediante o arrependimento sincero e o
testemunho verdadeiro de uma conversão real.
h.
O objetivo final – Não podemos esquecer o objetivo
final de Paulo com a disciplina, especificado no versículo 5: "...a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor Jesus." O objetivo era a salvação daquela alma
disciplinada. Essa deve ser também a nossa visão: consciência da necessidade da
disciplina, percepção dos perigos da sua falta de aplicação, apoio à sua
aplicação correta no caso de comportamento anticristão contumaz, oração e
desejo de arrependimento pelo disciplinado.
2.
A autodisciplina e o ensino de Jesus sobre os passos da disciplina na igreja
Jesus
Cristo, em Mateus 18.15-22, nos deu, de uma forma bem detalhada e inteligível,
os passos necessários para o exercício da disciplina corporativa (na igreja).
Entretanto, antes que o pecado se concretize em ações contra alguém e antes que
atinja um caráter público, a Palavra de Deus nos dá admoestações sobre o
exercício da autodisciplina. A palavra grega traduzida como temperança ou
autocontrole (egkratea – um dos aspectos do fruto do Espírito, em
Gl 5.23) significa, apropriadamente, a disciplina exercida pela própria pessoa,
quer pelo estabelecimento de limites próprios, que não devem ser ultrapassados,
quer na avaliação dos próprios pensamentos e atitudes que, se concretizados,
prejudicariam alguém e desagradariam a Deus. O livro de Provérbios nos fala
sobre a importância de controlar nosso próprio espírito (16.32), nossa língua
(17.27 – "reter as palavras") e nossa ira (19.11 – "tardio em
irar-se" na Versão Corrigida). Certamente o exercício coerente da
autodisciplina, na vida dos membros da igreja, reduz a necessidade da
disciplina eclesiástica.
O
texto de Mateus 18.15-22, diz o seguinte:
Se
teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir,
ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda contigo uma ou duas
pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três testemunhas, toda palavra se
estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à igreja; e, se recusar ouvir
também a igreja, considera-o como gentio e publicano.
Em
verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado nos céus, e
tudo o que desligardes na terra terá sido desligado nos céus.
Em
verdade também vos digo que, se dois dentre vós, sobre a terra, concordarem a
respeito de qualquer coisa que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por
meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu
nome, ali estou no meio deles.
Então,
Pedro, aproximando-se, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes meu irmão
pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não
te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete.
Os
passos ensinados pelo nosso Senhor Jesus Cristo, para aplicação em nossa vida
comunitária, como membros da igreja visível, são esses:
Passo
1 – Contato individual, pessoa a pessoa. Em
Mt 18.15, lemos: "Se teu irmão pecar contra ti, vai
argüi-lo entre ti e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão". Não devemos esperar que a parte ofensora
venha pedir perdão, quando pecar contra nós. Jesus nos ensina que nós, quando
ofendidos, devemos tomar a iniciativa para ter uma conversa discreta e
individual com o nosso ofensor. Essa admoestação, em si só, já é importante
para o nosso crescimento em santificação. Abordar o ofensor vai contra o nosso
orgulho, mas é uma atitude típica da humildade que Cristo requer de nós, como
cristãos. Cristo não oferece garantias de que teremos sucesso, mas se o ofensor
der ouvidos à nossa admoestação individual, ganharemos o irmão, no sentido em
que o impediremos de cometer pecados mais sérios contra outros, bem como
construiremos um relacionamento mais sólido, em Cristo, com aquele irmão ou
irmã.
Passo
2 – Contato com dois ou três. O
versículo 16 aprofunda o contato e o envolvimento corporativo no processo de
disciplina. Ele deve ocorrer se o contato individual for infrutífero, se o
irmão ou irmã não der ouvidos à abordagem prescrita anteriormente. O v. 16 diz:
"Se, porém, não te ouvir, toma ainda
contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três
testemunhas, toda palavra se estabeleça".
Quando é a hora certa de passar do passo 1 ao passo 2? Devemos pedir a Deus
discernimento e sabedoria para ver quando não há mais progresso no contato
individual e está caracterizado que a parte ofensora não "quer
ouvir". Nesse caso, a abordagem deve ser exercida com mais uma ou duas
pessoas, como "testemunhas". Serão testemunhas do problema ocorrido,
ou testemunhas do contato que está sendo realizado? Creio que não são
testemunhas do problema, pois se o fossem a questão já seria pública e não
limitada às duas pessoas, como indica o v. 15. São pessoas que deverão
testemunhar e participar do encaminhamento do processo de disciplina, da
exortação, do aconselhamento, objetivando que o faltoso "ouça". Não
são testemunhas silentes. O verso fala do "depoimento" delas.
Passo
3 – Contato com a Igreja. O
versículo 17 apresenta uma mudança enorme no encaminhamento da questão. O
faltoso recusou a admoestação individual e a conjunta de dois ou três membros.
Jesus, então, determina: "... se ele não os
atender, dize-o à igreja...". O "dizer
à igreja", em uma estrutura presbiteriana, equivale a relatar ao Conselho.
Em uma estrutura congregacional, relatar à Assembléia. Em qualquer situação, o
relato, agora, deve ser feito pelo primeiro irmão ou irmã e pela outra ou
outras testemunhas, envolvidas no Passo 2. A continuidade da frase, neste mesmo
versículo, mostra que o propósito de "dizer à igreja" continua sendo
o da admoestação. Não é só uma questão de veicular notícias, mas a de visar a
exortação do ofensor, que agora será feita "pela igreja", ou pelos
representantes constituídos e eleitos por ela. Infelizmente, muitos pecados
públicos e já amplamente divulgados no seio da comunidade só são tratados a
partir deste estágio. Muitas vezes aqueles mais próximos ao faltoso deixaram de
aplicar os passos 1 e 2, ao primeiro sinal da ofensa. A igreja é, então,
surpreendida com o pecado realizado, divulgado e comentado, restando aos
oficiais apenas tomar o processo a partir deste passo. Humanamente falando,
quem sabe pecados maiores não teriam sido evitados se a abordagem individual,
prescrita por Jesus, tivesse sido realizada.
Passo
4 – Exclusão. No final do
versículo 17 Jesus diz "...se recusar ouvir
também a igreja, considera-o como gentio e publicano". A recusa no atendimento às admoestações, a
atitude de arrogância e desafio às autoridades, retratada em 2 Pe 2.10-11 e
Judas 7-8, devem levar o faltoso à exclusão da igreja visível. Ele (ou ela)
deve ser considerado como um descrente ("gentio") e deve ser cortado
da comunhão pessoal da mesma forma como os coletores de impostos
("publicanos") eram desprezados pelos judeus. Somente evidências de
arrependimento e conversão real poderão restaurar essa comunhão cortada pela
disciplina. Com essa exclusão vão-se também os privilégios de membro, como a
participação na Santa Ceia, e os demais. Jesus demonstra a necessidade de
respaldar essa drástica atitude na sua própria autoridade e na do Pai. Isso ele
faz nos vs. 18-19, mostrando o seu acompanhamento e o do Pai, nas questões da
igreja que envolvem a preservação de sua pureza. Ele fecha essas instruções com
a promessa de sua presença na congregação do povo de Deus (v. 20). Essas são
palavras de grande encorajamento para que a igreja não negligencie a aplicação
do processo de disciplina em todos esses passos.
3.
Outros textos e pontos importantes sobre a disciplina na igreja.
Necessitamos
abordar outros pontos adicionais sobre a disciplina na igreja. Os textos
seguintes mostram que a disciplina não se restringe apenas ao comportamento
imoral ou que deva ser exercida somente contra aqueles que se desviam da
prática correta da sexualidade:
a.
A disciplina deve ser aplicada contra os que causam dissensão e divisão. Paulo, em Tito 2.15-3.11, diz o seguinte:
Dize
estas coisas; exorta e repreende também com toda a autoridade. Ninguém te
despreze.
Lembra-lhes
que se sujeitem aos que governam, às autoridades; sejam obedientes, estejam
prontos para toda boa obra, não difamem a ninguém; nem sejam altercadores, mas
cordatos, dando provas de toda cortesia, para com todos os homens.
Pois
nós também, outrora, éramos néscios, desobedientes, desgarrados, escravos de
toda sorte de paixões e prazeres, vivendo em malícia e inveja, odiosos e
odiando-nos uns aos outros.
Quando,
porém, se manifestou a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para
com todos, não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo sua
misericórdia, ele nos salvou mediante o lavar regenerador e renovador do
Espírito Santo, que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo,
nosso Salvador, a fim de que, justificados por graça, nos tornemos seus
herdeiros, segundo a esperança da vida eterna.
Fiel
é esta palavra, e quero que, no tocante a estas coisas, faças afirmação,
confiadamente, para que os que têm crido em Deus sejam solícitos na prática de
boas obras. Estas coisas são excelentes e proveitosas aos homens.
Evita
discussões insensatas, genealogias, contendas e debates sobre a lei; porque não
têm utilidade e são fúteis. Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo
primeira e segunda vez, pois sabes que tal pessoa está pervertida, e vive
pecando, e por si mesma está condenada.
Paulo
está exortando a Tito para que exerça sua autoridade, como líder da igreja,
ensinando, exortando e repreendendo os membros da igreja para que não sejam
difamadores e briguentos. Antes, devem ser obedientes, cordatos, corteses, não
somente para com os crentes mas para com os descrentes também. Ele lembra a
Tito e a nós que características condenáveis já fizeram parte da personalidade
e do modo de vida de muitos de nós, antes da salvação, mas pela graça e
misericórdia de Deus fomos regenerados pelo Espírito Santo e transformados para
as boas obras. Devemos, portanto, evitar discussões fúteis e sobre assuntos
secundários que não levam a lugar algum. A pessoa facciosa, que quer causar
divisão, deve ser admoestada uma e duas vezes, mas depois disso deve ser
evitada, ou seja, excluída, por recusar as advertências e por preferir viver em
pecado.
b.
Os que ensinam doutrinas falsas, bem como os que as praticam, devem ser disciplinados. Novamente, Paulo, em Ro 16.17-20, ensina que a
igreja deve afastar os que causam divisões e escândalos, em desacordo com a
doutrina por ele ensinada. O texto diz:
Rogo-vos,
irmãos, que noteis bem aqueles que provocam divisões e escândalos, em desacordo
com a doutrina que aprendestes; afastai-vos deles, porque esses tais não servem
a Cristo, nosso Senhor, e sim a seu próprio ventre; e, com suaves palavras e
lisonjas, enganam o coração dos incautos.
Pois
a vossa obediência é conhecida por todos; por isso, me alegro a vosso respeito;
e quero que sejais sábios para o bem e símplices para o mal.
E
o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás. A graça de
nosso Senhor Jesus seja convosco.
Paulo
especifica o perigo existente nas palavras daqueles que procuram os seus
próprios interesses, mas falam suavemente, com palavras de elogio, enganando o
coração dos incautos.
No
livro de Apocalipse, 2.12-16, João registra as palavras de Cristo, advertindo a
Igreja de Pérgamo, e a todas as nossas igrejas (2.17), contra aqueles que
procuram incitar o povo de Deus a práticas contraditórias à fé cristã. Ali
lemos:
Ao
anjo da igreja em Pérgamo escreve: Estas coisas diz aquele que tem a espada
afiada de dois gumes:
Conheço
o lugar em que habitas, onde está o trono de Satanás, e que conservas o meu
nome e não negaste a minha fé, ainda nos dias de Antipas, minha testemunha, meu
fiel, o qual foi morto entre vós, onde Satanás habita.
Tenho,
todavia, contra ti algumas coisas, pois que tens aí os que sustentam a doutrina
de Balaão, o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de
Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a prostituição.
Outrossim,
também tu tens os que da mesma forma sustentam a doutrina dos nicolaítas.
Portanto,
arrepende-te; e, se não, venho a ti sem demora e contra eles pelejarei com a
espada da minha boca.
A
menção à doutrina de Balaão, no v. 14, identifica
o ensinamento dos que possuem motivos pessoais, rasteiros, aqueles que, mesmo
com linguajar que aparenta honrar a Deus, não estão preocupados com a
santificação da igreja, mas se empenham em destruir as linhas demarcatórias de
comportamento que identificam o povo de Deus e os distinguem do mundo
("comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticarem a
prostituição"). A doutrina dos nicolaítas é igualmente condenada (v. 15).
Essa é também uma referência aos que advogavam uma vida dissoluta e imoral no
seio da igreja. Na carta anterior (à igreja de Éfeso), as obras dos
nicolaítas foram condenadas. Agora a menção é contra a sua doutrina.
Notem que a condenação e a chamada ao arrependimento vêm para toda a
igreja (vv. 14 e 16), por não exercer a disciplina e por conservar tais pessoas
em seu meio.
c.
A disciplina deve ser exercida com precaução e deve ser divulgada. Em 1 Tm 5.19-22, temos o ensinamento de que
as denúncias devem ser substanciadas, não aceitas levianamente:
Não
aceites denúncia contra presbítero, senão exclusivamente sob o depoimento de
duas ou três testemunhas.
Quanto
aos que vivem no pecado, repreende-os na presença de todos, para que também os
demais temam.
Conjuro-te,
perante Deus, e Cristo Jesus, e os anjos eleitos, que guardes estes conselhos,
sem prevenção, nada fazendo com parcialidade.
A
ninguém imponhas precipitadamente as mãos. Não te tornes cúmplice de pecados de
outrem. Conserva-te a ti mesmo puro.
Cautela
é prescrita especificamente para as denúncias contra os oficiais (v. 19 –
"duas ou três testemunhas"), mas o princípio de que deve haver
substância e provas, nas denúncias, é genérico. O outro ensino deste trecho é
que a disciplina dos que "vivem no pecado" (v. 20) se exerça "na presença de todos". Isso
significa que ela não deve ser alvo de uma resolução velada. Paulo dá uma razão
para isso – "para que também os demais temam". A disciplina tem essa característica
didática de proclamar e provocar o temor do Senhor, livrando membros do pecado
para uma vida em santidade e conformidade com a pureza de Cristo.
d.
O objetivo final da disciplina é o arrependimento do disciplinado.
Dois
textos nos falam a esse respeito. O primeiro é 2 Ts 3.6-15:
Nós
vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo
irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que de nós recebestes;
pois
vós mesmos estais cientes do modo por que vos convém imitar-nos, visto que
nunca nos portamos desordenadamente entre vós, nem jamais comemos pão à custa
de outrem; pelo contrário, em labor e fadiga, de noite e de dia, trabalhamos, a
fim de não sermos pesados a nenhum de vós; não porque não tivéssemos esse
direito, mas por termos em vista oferecer-vos exemplo em nós mesmos, para nos
imitardes.
Porque,
quando ainda convosco, vos ordenamos isto: se alguém não quer trabalhar, também
não coma. Pois, de fato, estamos informados de que, entre vós, há pessoas que
andam desordenadamente, não trabalhando; antes, se intrometem na vida alheia. A
elas, porém, determinamos e exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que, trabalhando
tranqüilamente, comam o seu próprio pão.
E
vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem. Caso alguém não preste obediência
à nossa palavra dada por esta epístola, notai-o; nem vos associeis com ele,
para que fique envergonhado. Todavia, não o considereis por inimigo, mas
adverti-o como irmão.
Paulo
enfatiza a necessidade do afastamento de "qualquer
irmão que ande desordenadamente", contrário aos
ensinamentos que recebeu (v. 6). O exemplo dado por Paulo é para aqueles que se
acomodam no ócio, tornam-se um peso para os outros e passam a ocupar o tempo
"intrometendo-se na vida alheia" (v.11). Esses, e aqueles que "não prestarem obediência" à palavra dada
por Paulo, na sua carta, devem ser disciplinados (v. 14). Paulo indica que não
deve haver "associação" com o faltoso e dá uma razão para tal:
"para que fique envergonhado", ou seja, para que se conscientize de sua
falha e, sob humilhação perante a disciplina exercida pela igreja, se
arrependa. Esse texto é encerrado com as seguintes palavras de cautela (v. 15):
"Todavia, não o considereis por inimigo,
mas adverti-o como irmão".
O
segundo texto é 2 Tm 2.22-26:
Foge,
outrossim, das paixões da mocidade. Segue a justiça, a fé, o amor e a paz com
os que, de coração puro, invocam o Senhor. E repele as questões insensatas e
absurdas, pois sabes que só engendram contendas.
Ora,
é necessário que o servo do Senhor não viva a contender, e sim deve ser brando
para com todos, apto para instruir, paciente, disciplinando com mansidão os que
se opõem, na expectativa de que Deus lhes conceda não só o arrependimento para
conhecerem plenamente a verdade, mas também o retorno à sensatez, livrando-se
eles dos laços do diabo, tendo sido feitos cativos por ele para cumprirem a sua
vontade.
Nesse
texto Paulo volta a reforçar que o cristão deve caracterizar-se por seguir
"a justiça, a fé, o amor e a paz com os que, de coração puro, invocam o
Senhor" (v. 22). Nesse sentido as "questões insensatas e
absurdas" devem ser não somente evitadas como repelidas, quando
introduzidas no seio da igreja (v. 23), pois só geram contendas. Contenda
não deve fazer parte da postura do servo de Deus. Este deve ser brando e
capaz de ensinar com paciência (v. 24). A disciplina deve ser exercida em
mansidão (v. 25), com o objetivo de que Deus conceda aos disciplinados
"não só o arrependimento para conhecerem plenamente a verdade, mas também
o retorno à sensatez, livrando-se eles dos laços do diabo, tendo sido feitos
cativos por ele para cumprirem a sua vontade" (v. 26).
Conclusão
Vivemos
em uma era sem restrições e sem limites. Por isso, talvez, a questão da
disciplina na igreja seja tão incompreendida e até negligenciada. Muitos
questionam a legitimidade da sua aplicação – "com que direito?"
Outros se revoltam quando a recebem. É preciso que saibamos que o direito e a
autoridade da disciplina procedem do Senhor da igreja, que a comanda. É preciso
que nossos olhos sejam abertos para que verifiquemos que a rejeição da
disciplina é um grande mal. A recusa de sua aceitação ou a revolta por ela
significam agir contra o objetivo maior, que é o reconhecimento do pecado, o
arrependimento sincero e a restauração à plena comunhão da igreja visível.
Examinamos
textos bíblicos que falam claramente sobre a necessidade de preservarmos nossa
vida em sintonia com as diretrizes de Deus, em santificação e pureza,
contribuindo para a edificação do corpo de Cristo. Esses mesmos textos
especificam a necessidade da disciplina, que vai desde a autodisciplina,
continuando com a admoestação individual e chegando até a exclusão, se
necessário. O testemunho da igreja demanda fidelidade às diretrizes bíblicas,
nesse sentido. Num mundo sem regras, Deus, em sua misericórdia, coloca a sua
igreja como baluarte para que os seus padrões sejam reforçados e seguidos. Supliquemos
a Deus que nos preserve em pureza, na plena comunhão de sua igreja e que
compreendamos e defendamos o exercício da disciplina, quando necessária.
Nota
do autor: Para leitura adicional, vide:
"Disciplina na Igreja", por Valdeci da Silva
Santos, revista Fides Reformata, Vol. III, No. 1, página 149.
(Publicado
em O Presbiteriano Conservador nas edições de Julho/Agosto e
Setembro/Outubro de 2000)
*
O autor é presbítero da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, em São Paulo, e
conceituado conferencista.
Fonte:
www.monergismo.com
Este
site da web é uma realização de Felipe Sabino de Araújo Neto® Proclamando
o Evangelho Genuíno de CRISTO JESUS, que é o poder de DEUS para salvação de
todo aquele que crê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário