"O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons." - Martin Luther King

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Reflexões sobre Ética e Valores Morais

- Por Gleuber Vieira
Pediram-me para escrever um artigo sobre ética e valores morais. Nada mais lógico e fácil do que mergulhar no universo das conceituações formuladas ao longo da história sobre os temas em questão. Implicaria identificar, comentar e comparar inúmeras definições que encontramos nas mais variadas fontes de consulta.

Se atentarmos bem, vamos constatar que, no fundo, todas elas expressam a mesma percepção. Mudam as palavras, alteram-se as ênfases, mas, em sua essência, lá está, subjacente, o mesmo entendimento: ética (do grego ethirós e do latim mos, mores no plural) significa modo de ser, caráter. Em filosofia significa “o que é bom para o indivíduo e para a sociedade”. Moral é o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes e valores que norteiam o comportamento do indivíduo no grupo social. Portanto, a ética encerra um enfoque teórico, enquanto a moral é normativa. Importante ressaltar que ambos os conceitos focalizam a harmonia, a conciliação de interesses individuais e da sociedade. Creio que basta essa mínima cogitação conceitual para um entendimento claro e unânime sobre o que esperar de uma conduta ética e obediente a valores morais.


Porém, como optar por essa via conceitual, natural e cômoda, fechando os olhos para as agressões hoje em dia cometidas contra a ética em nosso país, quando vivemos uma crise moral? Como ignorar a desfaçatez com que são driblados, sob os mais diversos e infames artifícios, os valores morais que constituem os fundamentos das sociedades solidamente organizadas? Como não lembrar o descalabro das condutas que afrontam conscientemente o comportamento ético que se pode esperar – e, mais que isso, exigir – de pessoas responsáveis em todos os campos de atividades pública e privada? Vamos reconhecer: vivemos sob o estigma de procedimentos que ofendem solene, deslavada e cinicamente preceitos éticos e morais. Como fingir que não vemos o festival de malandragem do mensalão, os escândalos das malas de subornos, a orgia do tráfico de influência, o dinheiro de origem inconfessável escondido em pastas e meias, as vantagens auferidas por meios escusos, o uso desavergonhado do nepotismo, o apego inconsequente a cargos, as manobras eleitorais duvidosas, o império do “eu não sabia”, do “foi contra minha vontade” ou do “assinei sem ler”, a luta pela perpetuação no poder a qualquer custo, mesmo em detrimento do autorespeito da nação? Como ignorar a impunidade que estimula a transgressão, poupa os mais favorecidos e penaliza os que não dispõem de instrumentos para reclamar justiça? Ou a cumplicidade dos que se omitem em suas obrigações por terem o “rabo preso”? O fato é que se vive um quadro de visível deterioração do tecido moral de nossa sociedade, capaz de arruinar as barreiras que defendem a moralidade.
É realmente desanimador constatar que nos distanciamos cada vez mais da Pindorama idílica dos versos de Gonçalves Dias e que o país prefere cultuar Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter” da obra de Mário de Andrade.
Quais as causas? Onde está a raiz desse flagelo? Difícil definir, mas é possível trazer à tona alguns pontos. A célula básica para a semeadura de valores morais é indiscutivelmente a família. É onde se conforma a personalidade dos jovens e lhes são transmitidas as premissas fundamentais da vida em comunidade, do respeito ao próximo e da valorização dos interesses comuns. É onde se forma e fortalece seu caráter. Todavia, é preocupante perceber como esse organismo fundamental se vem debilitando e comprometendo seu decisivo papel na preparação da juventude do país e no fortalecimento dos valores morais. É inquietante ver pais que fazem da leniência indiscriminada o paradigma da educação no lar; que são capazes de questionar a atuação de professores e orientadores – prosseguidores naturais da formação iniciada na célula familiar – que tentam incutir a disciplina, as noções de cidadania e o espírito de civismo indispensáveis à vida em sociedade, e acabam conflitando com as facilidades exageradas e os mimos concedidos aos seus “intocáveis filhotes”, fechando os olhos diante de seus procedimentos antissociais.
Nessa trilha perigosa, segue-se o ambiente educacional dos estabelecimentos de ensino que dependem de estruturas favoráveis, de corpos docentes bem preparados e recompensados, mas que frequentemente vivem acossados por incertezas e atuam com insuficiente preparação. Convivem com estruturas precárias e ameaças que podem comprometer o exercício da nobre missão do magistério.
Estende-se esse ciclo perverso às esferas superiores da vida nacional, onde maus e berrantes exemplos contribuem para minar os vetores que elevam espiritualmente uma nação: um comportamento ético irretocável e o respeito aos valores que constituem a fortaleza moral de um povo. Tais transgressões são cometidas, até mesmo, ora por integrantes dos poderes da República em seus diversos níveis, ora pelos que têm por missão a própria defesa e aplicação da justiça.
Incidem no mesmo pecado políticos e empresários que acendem uma vela a Deus e outra ao diabo, na ânsia de “se dar bem” em qualquer situação, de assegurar espaço junto a qualquer governo ou administração. O comentário vale também para os “religiosos” que, em detrimento da legítima motivação espiritual, favorecem um proselitismo político-ideológico ou buscam o enriquecimento financeiro pessoal por intermédio da malévola e indecente exploração da fé. Tais concessões a condutas perversas também são percebidas na parcela da mídia que não preserva sua independência e se permite, por conveniência e mesmo por omissão, compactuar com procedimentos que conflitam com a ética.
Será que está tudo realmente perdido? Afinal, parece que cada um desses aspectos sumariamente citados e comentados se interalimenta e forma um círculo vicioso do mal, de difícil rompimento. Talvez as percepções que expus fiquem majoradas pela frequência com que os fatos desairosos ganham espaço em nosso mundo atual, da informação universal e instantânea.
Contudo, não quero acreditar nessa possibilidade do irremediável. Já vi sociedade se dar conta de problemas graves e reagir no momento certo. Por que não pode fazê-lo mais uma vez? Uma reflexão judiciosa me faz lembrar que a maior parte do povo brasileiro percebe essa deterioração moral, com ela não compactua e reconhece que algo precisa ser feito. Acredito que cabe à própria sociedade desenvolver os anticorpos capazes de destruir os vírus que contaminam setores da vida nacional e ameaçam a solidez dos pilares morais que sustentam a ética em uma sociedade. Para tanto dispõe dos instrumentos proporcionados pelo regime democrático, que, embora agindo lentamente, são eficazes e asseguram resultados que não são efêmeros. Ao contrário, podem e devem perpetuarse. Mas é preciso que cada um faça a sua parte, a própria pessoa sendo exemplo de conduta ética e sabendo escolher, cobrar e exigir.
É relevante o papel a ser cumprido por famílias bem constituídas, que sabem valorizar a formação moral de seus membros, constituindo-se em agentes dos bons costumes. São necessárias religiões realmente voltadas para o enriquecimento espiritual do ser humano, caminho certo e fácil para o fortalecimento de uma sociedade. Contamos também com instituições e organizações Brasil afora que fazem ponto de honra da observância dos valores éticos, conscientes dos benefícios de dispor, como seus servidores, de cidadãos de formação moral sólida e confiável. Sem falar de instituições tradicionais – entre elas as Forças Armadas – que fazem da lealdade, da disciplina, do apego incondicional aos valores éticos o paradigma a ser perseguido. E, fugindo a uma generalização injusta, devemos reconhecer que existem políticos, empresários, profissionais liberais e juízes absolutamente éticos, honestos e inatacáveis. Basta saber identificá-los e voltar as baterias contra os que não seguem essa trilha e não merecem nossa escolha, nosso apoio, nosso reconhecimento.
Portanto, há como reverter o quadro, ainda que leve tempo e demande persistência. O brasileiro não pode continuar assistindo impassível à derrocada do monumento dos valores morais provocada pela atitude vergonhosa de alguns maus concidadãos. A solução está em nossas mãos. Somente uma reação em cadeia, utilizando os instrumentos que o próprio regime oferece, será capaz de reverter o quadro de deterioração moral da sociedade.
Eis por que não consegui me ater à mera discussão de conceitos e comentários didáticos sobre “ética e valores morais”, quando dispomos, em nosso dia a dia, de exemplos que, mais do que qualquer debate, nos podem ensinar o que significam essas expressões e inspirar a necessária reação. Por extensão, sabendo valorizar esses conceitos, avaliar sua importância e identificar quem os despreza, sabemos perfeitamente como proceder para fazê-los respeitados.
Resta começar. Portanto, mãos à obra. Acorda, cidadão! Acorda, Brasil!

GLEUBER VIEIRA é natural da cidade do Rio de Janeiro. Desempenhou o cargo de Ministro do Exército, entre 1999 e 2002, e, com a criação do Ministério da Defesa, o de Comandante do Exército


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