Amo a literatura produzida pelos
antigos puritanos. Sólida, bíblica, profunda, muito pastoral e prática. A
santidade defendida e pregada pelos puritanos aqueceu meu coração, quando eu
era novo convertido, e se tornou o ideal que eu decidi perseguir até hoje. Um
breve resumo do pensamento puritano sobre a santidade está na Confissão de Fé
de Westminster, no capítulo “Santificação”:
I - Os que são eficazmente
chamados e regenerados, tendo criado em si um novo coração e um novo espírito,
são além disso santificados real e pessoalmente, pela virtude da morte e
ressurreição de Cristo, pela sua palavra e pelo seu Espírito, que neles habita.
II - Esta santificação é no homem
todo, porém imperfeita nesta vida; ainda persistem em todas as partes dele
restos da corrupção, e daí nasce uma guerra contínua e irreconciliável - a
carne lutando contra o espírito e o espírito contra a carne.
III - Nesta guerra, embora
prevaleçam por algum tempo as corrupções que ficam, contudo, pelo contínuo
socorro da eficácia do santificador Espírito de Cristo, a parte regenerada do
homem novo vence, e assim os santos crescem em graça, aperfeiçoando a santidade
no temor de Deus.
Era esse conceito de santificação
que eu gostaria de ver difundido como sendo o conceito reformado. Como sempre
existe alguma confusão sobre este assunto, apresento aqui algumas reflexões
adicionais sobre o tema da santidade.
(1) A santidade deve ser buscada
ardorosamente sem, contudo, perder-se de vista que a salvação é pela fé, e não
pela santidade – Muitos reformados tendem à introspecção e a buscar a certeza
da salvação dentro de si próprios, analisando as evidências da obra da graça em
si para certificar-se que são eleitos. Se a busca contínua pela santidade não
for feita à luz da doutrina da justificação pela graça, mediante a fé, levará
ao desespero, às trevas e à confusão. Devemos buscar ser santos olhando para
Cristo crucificado e morto pelos nossos pecados. Somente conscientes da graça
de Deus é que podemos prosseguir na santificação, reconhecendo que esse
processo é evidência da salvação.
(2) A santidade não se expressa
sempre da mesma forma; ela tem elementos culturais, temporais e regionais – Sei
que não é fácil distinguir entre a forma e a essência da santidade. Para mim,
adultério é pecado aqui e na China, independentemente da visão cultural que os
chineses tenham da infidelidade conjugal. Contudo, coisas como o uso do véu
pelas mulheres me parecem claramente culturais. Quero insistir nesse ponto. A
santidade pode se expressar de maneira contemporânea e cultural, não está presa
a uma época ou a um local. Reformados modernos devem resistir a tentação de
recuperar o estilo dos antigos puritanos da Inglaterra, Escócia, Holanda e
Estados Unidos.
(3) A santidade pessoal pode
existir mesmo em um ambiente não totalmente puro – Chega um momento em que
devemos nos separar daqueles que se professam irmãos, mas que vivem na prática
da iniqüidade (1Coríntios 5). Contudo, creio que há um caminho a ser percorrido
antes de empregarmos a separação como meio de preservar a santidade bíblica. Os
crentes são chamados a se separar de todo mal, inclusive dos pecadores (Salmo
1). Mas a separação bíblica é bem diferente daquela defendida por alguns
reformados modernos, que têm dificuldade de conviver inclusive com outros reformados
dos quais discordam em questões que considero absolutamente secundárias. Não é
fácil, mas teoricamente posso ser santo dentro de Sodoma e Gomorra. Posso ser
santo na minha denominação, mesmo que ela abrigue gente de pensamento
divergente do meu.
(4) A santidade pode ocorrer mesmo
onde não haja plena ortodoxia – Por incrível que pareça, a tolerância e a
misericórdia marcaram os puritanos ingleses do século XVII. Foi somente a fase
posterior do puritanismo que lhe deu a fama de intolerância. John Owen, o
famoso puritano, pregou em 1648 um extenso sermão no Parlamento Britânico, na
Câmara dos Comuns, intitulado “Sobre Intolerância”, no qual defendeu, mais uma
vez, a demonstração do amor cristão e a não-intervenção dos poderes
governamentais nas diferenças de opiniões eclesiásticas (Works, VIII, 163-206).
Para mim, a graça de Deus é muito maior do que imaginamos e o Senhor tem
eleitos onde menos pensamos. Assim, creio que exista santidade genuína além do
arraial reformado. Não estou negando a relação entre doutrina correta e
santidade. O Cristianismo bíblico enfatiza as duas coisas como necessárias e
existe uma relação entre elas. Contudo, por causa da incoerência que nos aflige
a todos, é possível vivermos mais santamente do que a lógica das nossas convicções
teológicas permitiria. Cito o famoso puritano John Owen mais uma vez:
“A consciência de nossos próprios
males, falhas, incompreensões, escuridão e o nosso conhecimento parcial,
deveria operar em nós uma opinião caridosa para com as pobres criaturas que,
encontrando-se em erro, assim estão com os corações sinceros e retos, com
postura semelhante aos que estão com a verdade” (Works, VIII, 61).
Acredito que a teologia reformada
é a que tem melhores condições de oferecer suporte doutrinário para a espiritualidade,
a santidade e o andar com Deus. Os reformados brasileiros são responsáveis por
mostrar que a teologia reformada é prática, plena de bom senso, brasileira e
cheia de misericórdia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário