- Por MERVAL PEREIRA
O economista Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, é um crítico
permanente do modelo de desenvolvimento adotado nos últimos 20 anos no país,
que denomina Modelo Liberal Periférico, que na sua visão teria se agravado nos
governos petistas de Lula e Dilma devido a uma política econômica equivocada e
a um sistema político corrupto e clientelista.
Em seu recente trabalho “Déficit de governança e crise de legitimidade
do Estado no Brasil”, Gonçalves analisa os protestos realizados no país em
junho e, ao contrário da leitura predominante, atribui as suas causas não à
insatisfação com as questões de mobilidade urbana, mas “a uma crise sistêmica
que tem raízes estruturais e abarca graves problemas de governança e de
legitimidade do Estado”. Ele considera “um equívoco” a exagerada a ênfase dada
por pensadores de esquerda à influência do “inferno urbano” brasileiro nos
protestos populares, pois “além de negligenciar as raízes estruturais da crise,
este enfoque desconhece o papel dos catalisadores que são fenômeno recente e
estão associados aos governos petistas (e seus aliados)”.
Esses “catalisadores” implicariam um país “invertebrado”, com a perda de
legitimidade do Estado (executivo, legislativo e judiciário) e das instituições
representativas da sociedade civil (partidos políticos, centrais sindicais e
estudantis, organizações não governamentais, etc.). “Trata-se de um
social-liberalismo corrompido por patrimonialismo, clientelismo e corrupção e
garantido pelo invertebramento e fragilidade da sociedade civil”, diz
Gonçalves.
Segundo os estudos de Reinaldo Gonçalves, o Modelo Liberal Periférico
tem tido fraco desempenho pelos padrões históricos brasileiros e pelos atuais
padrões internacionais, inclusive durante os governos Lula e Dilma. Suas
principais características são: liberalização, privatização e desregulação;
subordinação e vulnerabilidade externa estrutural; e dominância do capital
financeiro. Essa política gerou o que Gonçalves chama de "Brasil
Negativado", que expressa a deterioração das condições econômicas e abarca
o país, o governo, as empresas e as famílias. As finanças públicas se
caracterizam por significativos desequilíbrios de fluxos e estoques, além,
naturalmente, dos problemas epidêmicos de déficit de governança e superávit de
corrupção (Gonçalves, 2013b). O aumento da dívida das empresas e famílias tem
causado crescimento significativo da inadimplência. O aumento da negatividade é
resultado da política de crédito fortemente expansionista no contexto de taxas
de juros absurdas, fraco crescimento da renda, inoperância da atividade
fiscalizadora e abuso de poder econômico por parte dos sistemas bancário e
financeiro. Milhões de pessoas (pobres e classe média) estão perdendo o sono
diariamente porque estão negativados, não conseguem pagar suas dívidas.. E isto
causa sofrimento e revolta.
A distribuição limita-se à redistribuição incipiente da renda entre os
distintos grupos da classe trabalhadora de tal forma que os interesses do
grande capital são preservados, ou seja, não há mudanças na estrutura primária
de distribuição de riqueza e renda no que se refere aos rendimentos da classe
trabalhadora versus renda do capital.
Segundo Reinaldo Gonçalves, os governos petistas e seus aliados são os
principais responsáveis por esta situação, que estaria levando o país ao que
chama de “desenvolvimento às avessas”. Na visão do economista da UFRJ,
“social-liberalismo corrompido só se consolidou visto que sustentado por
transferências e políticas clientelistas e assistencialistas. Depois de 10 anos
de governo há a falência do PT que tem sido absolutamente incapaz de realizar
mudanças estruturais no país”.
Reinaldo Gonçalves diz que a probabilidade de que as revoltas populares
atuais causem mudanças estruturais é pequena. Para ele, a trajetória futura é
de instabilidade pelas seguintes razões:
1) a crise tem raízes estruturais;
2) a crise é sistêmica;
3) não é do interesse dos grupos dirigentes e dos setores dominantes
realizar mudanças estruturais; e
4) no movimento popular não há convergência de entendimentos sobre as
causas e responsabilidades da crise, nem sobre propostas de luta política.
O Brasil “entranha-se em trajetória de fraco desempenho econômico, com
recorrentes momentos de instabilidade e crise, e embrenha-se em nuvens
cinzentas que turvam o caminho do desenvolvimento social, político, ético e
institucional em função dos problemas estruturais que não são enfrentados”,
escreve Gonçalves.
Segundo seu estudo, o mais provável, é a repetição do nosso conhecido
drama histórico: êxito no curto prazo da estratégia dos grupos dirigentes e dos
setores dominantes, que contam com a perda de fôlego, exaustão e fadiga dos
manifestantes.
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