Há médicos e médicos. Uns trabalham todos os dias
para salvar a vida de outras pessoas. Sabem que, ao final, vão perder, mas
voltam ao combate após cada derrota. Convivem diariamente com a morte e, em
muitos casos, derramam lágrimas amargas, em algum lugar onde não possam ser
vistos, quando um cliente se vai. Essa é a cruz que carregam em sua vida. É.
também, a sua honra. Outros têm o mesmo diploma, mas não são a mesma coisa.
Suas relações com os pacientes mantêm-se impessoais e, como acontece em tantas outras
profissões, seu objetivo prioritário é ganhar dinheiro. Praticam atos duvidosos
de autopromoção e dedicam boa pane de seus esforços a atividades de relações
públicas. Para alguns, o grande sonho profissional é aparecer na Ilha de Caras
e ter atrizes da Globo ou "celebridades na lista de clientes.
Não há nada de útil que valha a pena dizer a
respeito desses últimos. Mas há muito que pensar sobre os primeiros, os médicos
de verdade, quando o povo vai para a rua gritar que não suporta mais. entre
tantas outras barbaridades, os crimes diários que são cometidos pelo governo
nos serviços públicos de saúde. Os marqueteiros do Palácio do Planalto não
fizeram nenhuma pesquisa para saber quantos deles, nestes dias de revolta,
estão fervendo com a mesma indignação que foi para a praça pública; acham que é
uma "catarse emocional". Mas o fato é que dezenas de milhares de
médicos em todo o Brasil estão fartos de aguentar calados a prodigiosa
incompetência, a mentira em massa e a vadiagem dos responsáveis pela saúde pública
brasileira — além de uma ladroagem sem fim na qual se roubam verbas,
ambulâncias, sangue e tudo o mais que pode ser rapado pelos amigos do PT e da
"base aliada"". O leitor é convidado, aqui, a ouvir uma dessas
vozes. É puro TNT. Vamos ver, então, o que a presidente Dilma acha dessa "catarse",
ou se quer propor um "plebiscito" à doutora Juliana Mynssen da Fonseca Cardoso, cirurgiã-geral no
Hospital Estadual Azevedo Lima. no Rio de Janeiro. É ela a autora do relato
abaixo, publicado na internet com o seguinte título:
"O
dia em que a "presidenta" Dilma em 10 minutos cuspiu no rosto de 370
000 médicos brasileiros".
"Há alguns meses eu fiz um
plantão em que chorei. (...) Eu, que carrego no carro o manual da equipe
militar que atendia "na guerra do" Afeganistão, chorei. (...) Na
frente da sala de sutura tinha um paciente idoso internado. Numa cadeira. Com o
soro pendurado num prego similar aos que pregamos samambaias. Ao seu lado, seu
filho. (.-*) Seu pai estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Tudo o
que o rapaz queria era uma maca. Não um quarto, nem um leito; só uma maca. Teve
um momento em que ele desmoronou. Se ajoelhou no chão, começou a chorar, olhou
para mim e disse: "Não é para mim. É para o meu pai". Saí. chorei,
briguei e o coloquei numa maca na ala feminina. (...) Nestes últimos dias de
protestos nas ruas e nas mídias, brigamos por um país melhor. (...) Não tenho
palavras para descrever o que penso da "presidenta" Dilma. (Uma
figura que se proclama "presidenta"já não merece a minha atenção.)
Mas hoje, por mim, por você. pelo meu paciente da cadeira, eu a ouvi. (Ela)
disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil... Melhorar a
qualidade? Sra. "presidenta", eu sou uma médica de qualidade. (...) O
médico brasileiro é de qualidade. Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é
que não tem qualidade. O seu governo é que não tem qualidade. O dia em que a
sra. "presidenta* abrir uma ficha numa UPA for internada num hospital
estadual, pegar um remédio numa fila do SUS e falar que isso é de qualidade, aí
conversaremos. Não cuspa na minha cara. Não pise no — meu diploma. Não me culpe
da sua incompetência."
E aí, presidente Dilma — gostou? E aí ex-presidente
Lula (que diz ter criado no Brasil "um dos melhores serviços de saúde do
mundo", mas se trata no Sírio-Libanês de São Paulo), gostou? Se não
gostaram, deveriam ter a coragem de ir para a televisão e debater esses fatos
com a doutora Juliana, na frente de todo mundo. Se não toparem, passam um
atestado público de covardia. Podemos esperar sentados. Dilma teve medo até de
ir ao Maracanã, numa final disputada pela equipe do país que preside. Lula
fugiu para a Etiópia. Nem sequer vão ler a história acima, pois não vão gostar,
e tudo aquilo de que não gostam está automaticamente errado. Acham que se trata
de sentimentalismo barato, ou choro de classe média alta. ou algo assim. E o
leitor, em quem acredita? Em Dilma, em Lula ou na doutora Juliana?
Fonte: Revista Veja, Ed 2329 - ano 46 - nº 28 - 10 de julho de 2013.
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