Por MERVAL PEREIRA
O país acompanha pela
televisão, ao vivo e a cores, o julgamento do mensalão, cujo nome oficial é
Ação Penal 470, e é testemunha de que tudo se passa na mais perfeita ordem
democrática do Estado de Direito. A pretexto de evitar a politização do
julgamento, petistas ilustres, a começar pelo ex-presidente Lula, exerceram
durante meses uma pressão nunca vista sobre o Supremo Tribunal Federal para que
ele não se realizasse durante as eleições municipais. A preocupação era tamanha
que Lula chegou a ameaçar o ministro Gilmar Mendes de denunciar, na CPI do
Cachoeira, uma suposta relação do ministro com o bicheiro, o que foi
prontamente repelido. Tornado público o episódio, ficou claro que não havia o
que denunciar, e o tiro saiu pela culatra. Inevitável o julgamento, Lula passou
a procurar outros ministros em busca de apoio à sua tese de que tudo não passou
de uma farsa. Ao ministro Dias Toffoli foi dito, em público pelo atual Prefeito
de São Bernardo Luiz Marinho, e em particular pelo próprio Lula, que ele não
tinha o direito de se declarar impedido, mesmo tendo trabalhado sob as ordens
do ex-ministro José Dirceu e ter assinado um documento, na posição de delegado
do PT, afirmando que o mensalão ainda estava para ser provado. O ministro
Ricardo Lewandowski recebeu Lula em casa em São Bernardo do Campo antes do
julgamento. Essas pressões petistas foram as reveladas, uma pressão que, ao
contrário, eles atribuem à “mídia conservadora” que estaria atuando para condenar
“o governo popular”. Mas os mínimos detalhes foram observados para que não se
dissesse que o julgamento tinha qualquer laivo de tendenciosidade.
O presidente
do STF, ministro Ayres Britto, abria sempre as sessões anunciando a Ação Penal
470, e encabeçava a lista dos réus José Dirceu de Oliveira e Silva. A partir de
um certo momento, deixou de citar o nome de José Dirceu, dizendo genericamente
que os réus eram conhecidos. Também a palavra mensalão desapareceu da boca dos
ministros, pois os advogados de defesa alegaram que o nome era depreciativo e
já embutia uma decisão sobre o caso. Mas o revisor Lewandowski, sempre que
pode, se refere ao caso mineiro, lembrando que ele é a origem de tudo. É certo
que ele não cita o PSDB, partido cuja regional de Minas Gerais envolveu-se
originariamente com o lobista Marcos Valério para fazer, em termos locais, o
mesmo que o PT faria em termos nacionais anos depois, mas a repetição mostra
uma preocupação de relativizar o esquema denunciado pelo processo. Os ministros
do Supremo Tribunal Federal não perdem uma chance de explicar didaticamente as
razões jurídicas que os levam a condenar alguns e absolver outros, e quando há
uma dúvida razoável, a discussão ganha até mesmo ares de confronto, com
ministros sendo mais ríspidos do que deveriam, alterando a voz para impor suas
convicções. Em algumas ocasiões, especialmente nas primeiras sessões quando se
definia a organização do julgamento, houve até momentos em que ele esteve em
risco, como quando o revisor Ricardo Lewandowski ameaçou abandonar o plenário. O
ministro Dias Toffoli, na última sessão de quinta-feira, chegou a dizer que seu
colega Luiz Fux estava sendo “indelicado”. O relator Joaquim Barbosa, que não
aguenta ser contestado sem revidar, cortou um comentário do mesmo Toffoli, que
usou um assalto a banco para contestar a posição do relator sobre lavagem de
dinheiro, afirmando: “Não é assalto a banco, mas é assalto aos cofres
públicos”. Lewandowski e Toffoli estão em minoria no plenário, isolados em suas
posições na maioria dos casos, mas têm encontrado apoio nas questões relativas
a lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, temas que são acessórios ao
principal no julgamento mas que têm grande importância tanto na hora de definir
as penas quanto, mais amplamente, na formação de uma jurisprudência que vai
influir nos julgamentos das várias instâncias da Justiça brasileira daqui para
a frente. O que se vê, então, é que os ministros do Supremo - a maioria nomeada
por governos petistas - são capazes de discutir às vezes asperamente em torno
de temas que não obtém consenso do plenário, e são também capazes de absolver
quando uma “dúvida razoável” persiste. Houve ocasiões em que se observou que
ministros levavam mais tempo justificando uma absolvição do que condenando, o
que demonstra o receio de um mal-entendido.
Os placares condenatórios elásticos, de
10 a 0 para Delubio Soares; 9 a 1 para José Genoino e 8 a 2 para José Dirceu só
indicam que não houve dúvidas sobre suas culpabilidades.
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