- Por Rodrigo Augusto Prando*
Os últimos meses têm, em nosso país, sido interessantes do ponto de
vista social e político. A dinâmica da sociedade, uma sociedade em rede, traz em
seu bojo as contradições que são inerentes à cena contemporânea: há excesso de
individualismo e, ao mesmo tempo, enorme participação de jovens que deixaram as
redes sociais para protestar ocupando as ruas de nossas cidades.
Imagem inserida por Bo@noia |
Desde junho de 2013, as relações entre manifestantes e governos
(municipais, estaduais e federal) são tensas, sobretudo no que tange à atuação
das polícias que, também, estão aprendendo a lidar com essa nova forma de
protestar. As jornadas juninas demonstraram que a política, com sua democracia
representativa, não era mais capaz de verbalizar os anseios de parte da
população. Os protestos se iniciaram sob a égide do Movimento Passe Livre
(MPL), um movimento que não se constitui numa organização com liderança
verticalizada, e que se contrapunha ao aumento da tarifa nos transportes
públicos na cidade de São Paulo. Houve aumento na quantidade e mudança na
qualidade dos protestos. Os governantes vergaram frente à força avassaladora
das ruas. As tarifas foram suspensas e os jovens (naquele momento muitos já não
eram tão jovens) poderiam se retirar, pois o objetivo havia sido conquistado –
até mesmo porque o MPL deixou o palco, satisfeito, por ora, com o resultado.
No entanto, o que se viu foi um adensamento não só das angústias, como,
também, das ações dos manifestantes. Não havia uma pauta unificada, uma única
organização controlando e dirigindo a liderança, uma massa que tomava as ruas.
A Polícia Militar foi acusada de agir com truculência, foi, depois, atacada por
ter sido omissa. Há cenas de policiais sendo agredidos, de militares atacando
os manifestantes, de policiais sendo aplaudidos pelos manifestantes, enfim, uma
ampla gama de situações que, durante semanas, deixou nossa vida cotidiana
suspensa. Sociologicamente, sem dúvida, foram semanas de tentativa de
compreensão do fenômeno em voga. Intelectuais das mais distintas posições
interpretativas buscavam dar suas explicações sobre o que ocorria e acerca das
consequências futuras. Busquei, como muitos, interpretar os fatos, obviamente,
tendo humildade para explicar que a situação era nova e nossas ferramentas de
análise nem sempre davam conta de construir compreensões totalizadoras, ou
seja, de serem capazes de relacionar os eventos singulares ao quadro mais geral
de nossa sociedade. Num de meus artigos, no qual realizei um balanço do ano de
2013 e fazia um esforço de apontar tendências para 2014, asseverei o seguinte:
“[...] é provável que 2014 seja, ainda, palco contestatório, numa
conjugação singular de crítica social e amor ao futebol. Dizem os mais
pessimistas que o país terá, no período da competição, vastos problemas, estes
já velhos conhecidos de nossa população: mobilidade urbana, infraestrutura
aeroportuária, displicência das empresas aéreas, alta de preços, entre outros.
Em verdade, não se pode ser pessimista. Basta ser realista! É pouco provável
que, num passe de mágica, essas falhas sejam corrigidas nos próximos meses”
(artigo enviado aos jornais em janeiro de 2014).
Neste mesmo mês de janeiro, outro fenômeno tomou corpo: os "rolezinhos".
Jovens, muitos que acompanhavam a vertente do funk ostentação”, passaram a
promover “rolês” em shoppings da capital paulista, numa ação que gerou
enorme repercussão na mídia. Os jovens diziam que queriam zoar, dar uns beijos,
tirar fotos e postar nas redes sociais. Novamente, aqui, o meio de divulgação
foram as redes sociais. Centenas, milhares, de jovens deixaram consumidores,
lojistas e administradores dos shoppings, assustados. Foram poucos os registros
de saques ou roubos, contudo, a quantidade e a velocidade dos
"rolezinhos" foram causadores de transtornos. Tivemos a contradição
entre a liberdade de ir e vir, de expressão, e de direito à propriedade
privada. A Justiça concedeu liminares aos shoppings proibindo a realização de
"rolezinhos". Os administradores dos shoppings e seguranças foram
acusados de preconceito ao impedir que certos tipos de jovens pudessem ou não
acessar aqueles locais.
Em síntese, mesmo sendo um fenômeno de curta duração – tão logo as
aulas se iniciaram os "rolezinhos" se findaram ele deixou uma
forte marca em nossa memória recente. Milhares de jovens que, de repente,
corriam nos corredores dos shoppings, cantando, gritando, foram vistos como
causadores de enormes transtornos. Em outra perspectiva estão aqueles que
formularam o slogan Não vai ter Copa. Se
os jovens dos "rolezinhos" não traziam um conteúdo político em suas
ações, os que protestam contra a realização da Copa do Mundo tem essa dimensão
bem presente em seu discurso, embora, sabidamente, um discurso não organizado e
disperso. Os protestos que são realizados nas ruas acabam tendo um
acompanhamento, nos últimos realizados, de forte presença policial, inclusive da
chamada “tropa do braço”, com policiais versados em artes marciais, que
imobilizam os manifestantes e evitam o uso de bombas e balas de borracha.
Sabedores dessa nova tática da PM, muitos passaram a ventilar novas formas de
manifestação: apropriaram-se dos recentes "rolezinhos". Ao invés de
confrontarem a polícia, imaginam o impacto de, por exemplo, fazer
"rolezinhos" nos aeroportos e em outros espaços em que circularão não
apenas brasileiros mas muitos estrangeiros que virão para o Mundial de Futebol.
Há um enorme tabuleiro. O jogo começou, e as peças são, real e virtualmente,
movidas. De um lado, os governos e as forças de segurança; do outro, jovens e
algumas organizações que se insurgem contra a Copa e que pleiteiam educação,
hospitais, transporte público e políticos “padrão Fifa”.
Sobre a pergunta que intitula este escrito –“Vai ou não ter
Copa?” –, a resposta é, para mim, óbvia. Sim, teremos Copa do Mundo. Como ela
será? Aí, é outra história. Penso que não será tranquila, que a insatisfação de
inúmeros atores sociais volte a tomar as ruas e a promover os
"rolezinhos" objetivando conturbar o evento esportivo. Não bastasse o
futebol, teremos eleições presidenciais, para governadores e para o
Legislativo. O futuro de nossa presidente está, quer se queira ou não, atrelado
ao sucesso ou ao fracasso do Brasil no campeonato. Brasil campeão, Dilma
reeleita. Brasil derrotado, enormes dificuldades para a reeleição. Se a euforia
da vitória pode ajudar o candidato da situação, as agruras da derrota podem
trazer à tona muito mais que a derrota dentro do campo. Pode significar a
derrota simbólica dos detentores do poder político.
*Rodrigo
Augusto Prando, mestre e doutor em sociologia pela Unesp, é professor e
pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade
Presbiteriana Mackenzie.
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