"Contei meus anos e descobri
que terei menos tempo para viver daqui
para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de
jabuticabas. As primeiras, ela chupou
displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói
o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar
em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando
seus lugares, talentos e sorte. Já não tenho tempo para projetos
megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do
mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de
semana com a proposta de abalar o milênio. Já não tenho tempo para reuniões
intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos
internos. Já não tenho tempo para
administrar melindres de pessoas, que apesar da idade
cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em
reuniões de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral. Lembrei-me agora de Mário de
Andrade que afirmou: 'as pessoas não debatem conteúdos,
apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem
pressa... Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que
sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita
antes da hora, não foge de sua mortalidade,
defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar
ao lado do que é justo. Caminhar perto de coisas e
pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será
perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena."
Rubem Alves é escritor - Nasceu no dia 15 de Setembro de 1933, em Boa Esperança - Sul de Minas Gerais, naquele tempo chamada de Dores da Boa Esperança.
www.rubemalves.com.br
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