O Brasil sofre de orfandade crônica. Está sempre procurando um pai. De
repente o país saiu às ruas, indignado. Parecia ter finalmente entendido que
seus problemas não se resolvem com a aclamação de bonzinhos profissionais, e
seus melodramas de esquerda. A popularidade dos governantes despencou. O povo
sentira o colapso administrativo do populismo, e queria ação. Aí chegou o Papa
Francisco.
Milhões de brasileiros saíram às ruas novamente, e o resto do país
grudou na tela da TV. O povo revoltado com o império do blá-blá-blá estava,
agora, derretido com as palavras bondosas de Francisco.
Euforia geral: papai chegou. Vejam como o Papa é simples! Notem como é
despojado, com seu carro modesto de janela aberta! Olhem o Papa preso no
engarrafamento, sem medo do povo! Vivam os novos tempos!
É comovente ver um povo se lambuzar todo com essas esmolas de esperança.
Esmolas valiosas, aliás, para os profissionais da bondade que andavam
chamuscados. Até a presidente da Argentina veio tirar foto com o sorridente
Francisco em Copacabana.
Cristina Kirchner acaba de vitaminar sua ditadura do bem, com poderes de
intervenção estatal na mídia, enquanto sua foto com o Papa bonzinho circula em
material de propaganda por todo o país. Como é barato lavar uma reputação...
Dilma Rousseff sabe disso, e também não perdeu a pechincha de Francisco:
pegando uma carona na aura imaculada do santo homem, despejou um discurso
petista daqueles mais satânicos, cheio de autoexaltações paranoicas e fraudes
retóricas convictas. Dilma disse que as manifestações de rua são sinal de dez
anos de êxito do PT. E o Papa ouviu sorridente. Deus abençoe a cara de pau.
O desfile de simplicidade e despojamento de Francisco, que custou uns
300 milhões de reais ao contribuinte, foi uma bênção para o governo popular. Não
há mau humor no Brasil que sobreviva ao carnaval, e a micareta cristã veio a
calhar.
Como se sabe, os brasileiros acham que ajuntamento de gente é sinônimo
de grandiosidade. Da mesma forma que as passeatas contra tudo (e contra nada)
foram saudadas como um novo Maio de 68, as multidões que atravancaram o
cotidiano carioca em torno de Sua Santidade viraram o “show da fé”, o alvorecer
da boa vontade franciscana etc. De muvuca em muvuca, de mistificação em
mistificação, o país vai caminhando epicamente para lugar nenhum.
Recitando sua cartilha progressista, Francisco declarou que não gosta de
jovem que não protesta. Pronto: quem mandou você, estudante alienado que só
pensa em estudar, ficar em casa? Está excomungado. Por que não fez como o jovem
que foi à passeata em Belo Horizonte com um cartaz pedindo “Jô titular!” — um
brado indignado para que Felipão escalasse o artilheiro do Atlético-MG? Esse
não vai para a lista negra do Papa.
Assim é o populismo: calcula o que a multidão quer ouvir e manda bala.
“Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para
julgá-la?”, disse Francisco, levando à apoteose o presépio progressista. Bem,
vamos ajudar esse Papa simpaticíssimo e responder quem é ele: é o representante
máximo de uma religião que não tolera as relações homossexuais.
Caberia então perguntar ao novo Papa: está propondo uma mudança radical
na doutrina do catolicismo? Está indicando que a Igreja deverá aceitar o sexo
entre iguais, portanto sem fins reprodutivos?
Se o Papa responder que sim, estaremos diante de uma revolução. Mas se
ele não responder — e ele jamais responderá —, a declaração sobre os gays terá
sido só uma frase de efeito. Um truque político.
O Brasil revoltado que foi às ruas e invadiu palácios deveria estar
farto de truques políticos. Deveria estar farto, ou ao menos desconfiado, de
líderes que trazem o paraíso na garganta. As manifestações estouraram porque a
vida piorou. E a vida piorou por causa do “show da fé” numa administração
fajuta, disfarçada por alegorias e bandeirolas progressistas.
O governo do PT montou em dez anos uma orgia de gastos públicos sem
precedentes — e sem investimentos, sem projetos, pura alimentação do
parasitismo político. A inflação é o efeito colateral mais visível desse golpe.
Mas Dilma acaba de declarar, tranquilamente, que a sua Disneylândia de
ministérios não afeta as contas públicas. E que a inflação era um problema no
governo Fernando Henrique, não no de Lula e no seu. O PT é especialista em
falsidade ideológica por falta de contraditório.
Tudo cola. A mentira progressista tem perna longa — pelo menos mais
longa que a dos manifestantes ninja, que andam muito e nunca chegam.
Acaba de sair novo relatório de superfaturamento milionário no DNIT —
aquele mesmo DNIT que levou à queda do ministro dos Transportes, na famosa
faxina de Dilma. Isto é: a ordenha prossegue normalmente. Onde está a mídia
ninja? Melhor rezar para Francisco.
Guilherme Fiuza é
jornalista
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