- O escritor que
considerava Deus seu inimigo e se tornou um defensor da fé. Muitos leitores o
consideraram o escritor mais influente em suas vidas.
“O
cristianismo, se é falso, não tem nenhuma importância, e, se é verdade, tem
infinita importância. O que ele não pode ser é de moderada importância” - C.S.
Lewis.
“Ele era um homem pesado que parecia
ter 40 anos, com um rosto carnudo e oval e compleição sadia. Seu cabelo preto
já tinha deixado a testa, o que o tornava especialmente imponente. Eu nada
sabia sobre ele, exceto que era o professor de Inglês da faculdade. Eu não
sabia que ele tinha publicado algum livro assinando seu próprio nome (quase ninguém
o fazia). Mesmo depois de eu ter sido aluno dele por três anos, nunca passou
pela minha cabeça que ele poderia ser o autor cujos livros vendiam em média
dois milhões de exemplares por ano. Uma vez que ele nunca falou de religião
enquanto eu era seu aluno, ou até que ficássemos amigos, 15 anos depois,
parecia impossível que ele fosse o meio pelo qual muitos chegariam à fé
cristã”. Mesmo para seu melhor biógrafo e amigo de longa data, George Sayer, Clive Staples Lewis era uma
surpresa e um mistério.
Como J.R.R. Tolkien aconselhou Sayer:
“Você nunca chegará ao fundo dele”. Mas compreender ou até mesmo concordar com
Lewis nunca foram pré-requisitos para gostar dele ou admirá-lo.
Seus livros continuam vendendo
extremamente bem (a série As crônicas de Nárnia,
por exemplo, está entre os 200 títulos mais vendidos da
Amazon.com) e muitos leitores o consideraram o escritor mais influente em suas
vidas. Um feito e tanto para um homem que por muito tempo desacreditou “a
mitologia cristã” e considerava Deus “meu inimigo”.
Lewis nasceu em Belfast, na Irlanda,
em uma família protestante que gostava de ler. “Havia livros no escritório,
livros na sala de jantar, livros na chapeleira, livros na grande estante no
alto da escada, livros no quarto, livros empilhados até a altura do meu ombro
no reservatório de água no sótão, livros de todos os tipos”, Lewis lembrava, e
tinha acesso a todos eles. Em dias chuvosos – e havia muitos no norte da
Irlanda – ele tirava muitos volumes das prateleiras e entrava em mundos criados
por autores como Conan Doyle, E. Nesbit, Mark Twain e Henry Wadsworth
Longfellow.
Depois que seu único irmão, Warren,
foi mandando para um colégio interno na Inglaterra em 1905, Jack, nome adotado
por ele mesmo aos 3 anos, tornou-se um recluso. Ele passava mais tempo com os
livros e um mundo imaginário de “animais vestidos” e “cavaleiros de armadura”.
A morte de sua mãe, de câncer, em
1908, tornou-o ainda mais introvertido. A morte da Sra. Lewis veio apenas três
meses antes do décimo aniversário de Jack, e este jovem estava muito abatido
pela perda de sua mãe. Além disso, seu pai nunca se recuperou totalmente da
morte dela, e os meninos sentiram-se cada vez mais afastados dele; a vida em
casa nunca mais foi agradável e satisfatória.
A morte da mãe convenceu o jovem Jack
de que o Deus que ele encontrava na Bíblia que sua mãe lhe dera não respondia
sempre às orações. Esta dúvida inicial, somada a um regime espiritual
excessivamente severo e a influência de uma governanta do colégio interno
moderadamente ocultista alguns anos depois fizeram Lewis rejeitar o cristianismo
e tornar-se ateu declarado.
Lewis entrou em Oxford em 1917, como
aluno e, na verdade, nunca saiu. “O lugar ultrapassou meus sonhos mais
incríveis”, ele escreveu a seu pai depois de passar seu primeiro dia lá. “Eu
nunca vi nada tão lindo”. Apesar de uma interrupção para lutar na Primeira
Guerra Mundial (na qual foi ferido pela explosão de uma granada), ele sempre
manteve seu lar e amigos em Oxford. Sua ligação com o lugar era tão forte, que
quando ele ensinou em Cambridge, de 1955 a 1963, ele voltava à Oxford nos fins
de semana para que pudesse estar perto de lugares e amigos que ele amava.
Em 1919, Lewis publicou seu primeiro
livro, uma série de versos líricos sob o pseudônimo de Clive Hamilton. Em 1924,
tornou-se instrutor de filosofia na University College, e no ano seguinte foi
eleito membro do Magdalen College, onde ele era instrutor de Língua Inglesa e
Literatura. Seu segundo volume de poesia,Dymer, também foi
publicado sob um pseudônimo.
Conforme Lewis continuou a ler,
passou a apreciar de modo especial o autor cristão George MacDonald. Um volume
de Phantastes desafiou poderosamente seu ateísmo. “O
que ele fez de verdade comigo, escreveu Lewis, foi converter, mesmo batizar...
minha imaginação.” Os livros de G.K. Chesterton trabalharam da mesma forma,
especialmente The Everlasting Man [O homem
eterno], que levantou sérias questões sobre o materialismo do jovem
intelectual.
“Um jovem que deseja permanecer um
ateu assumido não pode ser muito cuidadoso com sua leitura”, Lewis escreveu
mais tarde em sua autobiografia Surpreendido pela alegria.
“Deus é, se posso dizer assim, incompreensível”.
Enquanto MacDonald e Chesterton
estavam mexendo com os pensamentos de Lewis, seu amigo íntimo, Owen Barfield,
atacava a lógica do ateísmo de Lewis. Barfield tinha se convertido do ateísmo
para o teísmo, e então, finalmente, ao cristianismo, e ele freqüentemente
atormentava Lewis sobre o seu materialismo. O mesmo fazia Nevil Coghill, um
brilhante colega estudante e amigo de longa data, que, para a surpresa de
Lewis, era “um cristão e um supernaturalista radical”.
Logo depois de entrar para a
Faculdade de Inglês em Magdalen College, em Oxford, Lewis conheceu mais dois
cristãos, Hugo Dyson e J.R.R. Tolkien. Estes homens tornaram-se amigos íntimos
dele. Ele admirava sua lógica e o fato de que eram brilhantes. Logo Lewis
percebeu que a maioria dos seus amigos, assim como seus autores favoritos –
MacDonald, Chesterton, Johnson, Spenser e Milton – criam neste cristianismo.
Em 1929 estas estradas se encontraram
e Lewis se rendeu, admitindo: “Deus era Deus. Ajoelhei e orei”. Em dois anos, o
relutante convertido também passou do teísmo para o cristianismo e entrou para
a Igreja Anglicana da Inglaterra.
Quase imediatamente, Lewis tomou uma
nova direção, mais notadamente em sua escrita. Os esforços anteriores para ser
um poeta foram deixados de lado. O novo cristão devotou seu talento a escrever
prosa, que refletia sua fé recém-encontrada. Depois de dois anos de sua
conversão, Lewis publicou O regresso do peregrino (1933).
Este pequeno volume abriu uma torrente de 30 anos de livros sobre a defesa da
fé cristã e discipulado que se tornaram a ocupação de toda sua vida.
Nem todos aprovavam seu novo
interesse em apologética. Lewis recebia críticas dos membros do seu círculo
mais íntimo de amigos, os Inklings (o apelido do grupo de intelectuais e
escritores que se encontravam regularmente para trocar idéias). Mesmo amigos mais
íntimos cristãos como Tolkien e Owen Barfield desaprovavam abertamente a fala e
a escrita evangelísticas de Lewis.
De fato, os livros “cristãos” de
Lewis causavam tanta desaprovação que mais de uma vez ele perdeu a nomeação
para professor em Oxford, com as honras indo para homens com menores
reputações. Foi no Magdalene College, na Universidade de Cambridge, que Lewis
foi finalmente honrado com uma cadeira em 1955.
Os 25 livros cristãos de Lewis
venderam milhões de exemplares, incluindo: Cartas de um diabo ao seu aprendiz (1942), Cristianismo
puro e simples (1952), As crônicas de Nárnia (1950-56), O grande abismo (1946) e A abolição do homem (1943)
– obras que aEncyclopedia Britannica incluiu
em sua coleção de Grandes Livros do Mundo.
Embora seus livros tenham lhe dado
fama mundial, Lewis era em primeiro lugar um estudioso. Ele continuou a
escrever história e crítica literária, tais como The Allegory of Love [A alegoria do amor] (1936),
considerado um clássico em sua área, e English Literature in the
Sixteenth Century [Literatura inglesa no século 16] (1954).
Apesar de seus muitos feitos
intelectuais, ele se recusou a ser arrogante: “A vida intelectual não é a única
estrada para Deus, nem a mais segura, mas sabemos que é uma estrada, e pode ser
a que foi apontada para nós. É claro, assim será enquanto mantivermos o impulso
puro e desinteressado”.
Lewis teve pelo menos um choque de
discordância em sua estrada intelectual: um debate em 1948 com a filósofa
britânica Elizabeth Anscombe. Anscombe leu um trabalho diante do Oxford
Socratic Club (um fórum que Lewis dirigiu por muitos anos) no qual ela atacou a
recente publicação de Lewis, Milagres, e todo seu
argumento contra o naturalismo. Ela venceu naquele dia, e relatos dizem que ele
ficou “profundamente perturbado” e “muito triste”. Ele nunca mais escreveu
sobre apologética pura, embora continuasse a comunicar sua fé através da ficção
e de outras formas literárias
Os livros não eram o único meio de
compartilhar sua mensagem. Em 1941, o diretor de transmissão religiosa da BBC
(que encontrava conforto pessoal através da leitura de O problema do sofrimento) perguntou se Lewis estaria
interessado em falar no rádio. Embora o escritor odiasse rádio, ele reconheceu
a oportunidade de alcançar uma audiência maior. O resultado foram sete grupos
de conversas, transmitidos entre 1941 e 1944, com títulos como Right and Wrong: A Clue to the Meaning of the Universe [Certo
e errado: uma idéia do significado do universo] eWhat Christians Believe [No
que acreditam os cristãos].
As transmissões semanais eram muito
populares – justamente o que os britânicos precisavam, pois andavam
desencorajados e cansados da tristeza da Segunda Guerra Mundial. Sayer conta:
“Eu me lembro de estar num bar cheio de soldados em uma noite de quarta-feira.
Às 7h45, o barman ligou o rádio no
programa de Lewis. ‘Ouçam este sujeito’, ele gritou, ‘vale realmente a pena
ouvi-lo’. E os soldados ouviram com atenção por 15 minutos”.
Além da fama crescente de Lewis como
palestrante e um defensor da fé, as conversas na BBC produziram, pelo menos,
dois grandes resultados. Um foi o livro Cristianismo puro e simples (1952),
uma coleção destes programas, que hoje em dia é a segunda obra mais vendida de
Lewis. O outro foi um dilúvio de correspondências, incluindo muitas cartas de
pessoas que buscam algo no mundo espiritual para quem ele desejava dar uma
resposta pessoal e detalhada. O grande volume de cartas levou-o a buscar a
ajuda de seu irmão Warren como secretário, mas não lhe impediu de criar
respostas que mostravam a mesma clareza de pensamento e graça literária
encontrada em toda a sua obra.
Uma correspondente em particular teve
um papel importante na vida de Lewis. Em 1950, ele recebeu uma carta de Joy
Davidman Gresham, uma nova-iorquina que se tornou cristã lendo O grande abismo e Cartas de
um diabo a seu aprendiz. Lewis ficou impressionado com sua escrita e
com a mente por trás de tudo e uma correspondência alegre e intensa se seguiu.
Dois anos depois, Joy atravessou o Atlântico
para visitar seu mentor espiritual na Inglaterra. Logo depois, seu marido
alcoólatra a abandonou para viver com outra mulher e ela se mudou para Londres
com seus dois filhos adolescentes, David e Douglas. Joy aos poucos entrou em
problemas financeiros. Lewis a ajudou, assumindo as despesas do colégio interno
dos meninos e pagando o aluguel de uma casa não muito longe da sua. Entre os
dois cresceu uma profunda amizade, para o desgosto de muitos dos amigos de
Lewis. Joy tinha muitos pontos contra ela: era americana, de descendência
judia, ex-comunista, 16 anos mais jovem que Lewis, divorciada e com
personalidade forte. Entretanto, ela estimulava a escrita de Lewis, e ele
gostava de sua companhia.
Ainda assim, não foi o amor, em
primeiro lugar, que os motivou a se casarem em 1956. Joy não conseguiu renovar
seu visto para viver na Inglaterra; sua única chance de ficar no país, então,
era casar-se com um inglês. Lewis, gentilmente, ofereceu seus préstimos.
Poucos meses depois da cerimônia de
casamento civil, algo aconteceu para levantar as emoções de Lewis. Depois de
uma queda grave em sua casa, Joy foi diagnosticada com câncer nos ossos. “Desde
que ela foi atingida por esta notícia, eu a tenho amado mais”, Lewis escreveu a
um amigo. Os dois se casaram numa cerimônia religiosa, com Joy de cama, e ela
se mudou para a casa de Lewis, aparentemente para aguardar sua morte.
No que pareceu um milagre, sua
condição melhorou e ela e Lewis viveram três anos felizes juntos. Como ele
escreveu para um amigo logo depois do seu casamento: “é engraçado ter aos 59
anos o tipo de felicidade que a maioria dos homens tem aos 20... ‘Mas você
guardou até agora o melhor vinho’”. Uma escritora por seus próprios méritos,
sua influência sobre o que Jack considerou seu melhor livro, Till We Have Faces [Até que tenhamos rostos]
(1956), foi tão profunda que ele contou a um amigo próximo que ela foi, na
verdade, sua co-autora.
A morte de Joy, em 1960, assim como a
de sua mãe, foi para Lewis um duro golpe. O melhor modo que ele conhecia para
lutar contra seus sentimentos de luto, raiva e dúvida era escrever um livro. A anatomia de uma dor apareceu em 1961, e veio ao
público sob um pseudônimo, porque era algo tão íntimo e pessoal que Lewis não
suportaria publicá-lo com seu próprio nome. Poucos exemplares foram vendidos
até que ele foi relançado com o nome verdadeiro do autor, após a sua morte.
No verão e outono de 1963, a saúde de
Lewis se deteriorou. Ele morreu enquanto dormia, no dia 22 de novembro: no
mesmo dia em que John F. Kennedy foi assassinado. Talvez por causa do choque
mundial pela morte do presidente, Lewis quase não foi mencionado nos jornais, e
seu funeral teve a participação de sua família e de seus amigos íntimos,
incluindo os Inklings.
Lewis pode ter sido enterrado sem
alarde, mas seu impacto nos corações e vidas nunca parou de crescer. Nas
palavras do líder cristão e escritor John Stott: “Ele era centrado em Cristo,
um cristão de tendência da grande tradição, cuja estatura, uma geração após sua
morte, parece maior do que qualquer um jamais pensou enquanto ele ainda estava
vivo, e cujos escritos cristãos são agora vistos como tendo status de clássicos... Eu duvido que alguém tenha
conseguido compreendê-lo completamente”.
Ted Olsen é
diretor de notícias e diretor de redação de conteúdo online do grupo
Christianity Today International.
Nenhum comentário:
Postar um comentário