– Por Fernanda Torres em Veja Rio 21 abril 2012
O
romance Na Praia, de Ian McEwan, se passa na aurora dos anos 60. Edward e
Florence casam-se virgens e sexualmente reprimidos. O matrimônio, na época,
servia de atalho para a liberdade da vida adulta. Os jovens não tinham
importância, vez ou voz. Seu maior desejo era crescer e se transformar na
imagem fiel dos próprios pais.
A
revolução de costumes que tomou de assalto a década dotou a juventude de um
caráter heroico, libertário, igualitário, poético e incorruptível. Os valores
morais da era vitoriana só foram sepultados na segunda metade do século XX,
quando a terceira idade saiu de moda e perdeu definitivamente seu posto no
mercado para a calça velha, azul e desbotada.
Cinquenta
anos depois, ser jovem se transformou em obrigação. A revolta contra a opressão
de uma sociedade dominada por anciãos cedeu lugar à angústia da juventude
eterna. Ter mais de 30 anos não causa mais desconfiança, mas pena. As mulheres
lutam contra as rugas e os homens contra a barriga. Aplicam-se Botox,
restilene, faz-se lifting, implantam-se silicone e cabelo. Senhoras de 40
ostentam bocas de Pato Donald e as de 80 têm o mesmo ar esquisito das de
50.
No
belíssimo filme de Wim Wenders sobre Pina Bausch, os bailarinos maduros
suplantam em fascínio os mais novos. Mesmo a deslumbrante mocidade de Pina
apenas aponta para a artista que ela viria a ser, a reunião de todos os seus
anos de experiência. A japonesinha grita que é jovem, forte e bela, mas não
consegue esconder a evidente fragilidade. Os antigos parceiros da coreógrafa,
os que fundaram seu método e lhe serviram de tinta, ao contrário, são plenos de
humor e inteligência, virilidade e compaixão, melancolia e tragédia.
Adriana
Esteves me falou do prazer de encarnar um papel condizente com a sua idade e da
conquista de poder fazer a mãe de um homem feito. A ignorância juvenil, apesar
da invejável alegria e coragem, restringe o espectro das tramas. Ninguém nasce
com a compreensão de que o ser humano é torto e falho. Ela chega mais tarde,
destruindo as opiniões categóricas sobre qualquer assunto. A vida se mostra bem
mais complexa do que sugere o furor maniqueísta dos verdes anos; perde-se a
vitalidade, mas também, e graças a Deus, a prepotência.
Eu
me recuso a acreditar que não há recompensa na velhice. E, se não há, é preciso
inventá-la. A consciência da morte deprime e a deterioração física assusta. É
duro manter o otimismo. Mas basta olhar o rosto dos bailarinos de Pina, com
seus cabelos desgrenhados e suas linhas de expressão à mostra, uma sobriedade
europeia de amadurecer que as Américas se recusam a adotar, para sonhar com uma
alternativa menos cruel do que sofrer por não ter mais 15 anos.
Estou
ficando velha. Não aguento mais assistir a crianças diáfanas desfilarem para lá
e para cá nas passarelas. Apesar de irresistíveis, anseio que me provoquem algo
além da tristeza de não me parecer mais com elas.
As
conquistas recentes da medicina aumentaram a expectativa de vida da humanidade.
A pressão social exercida por essa massa de gente grande, espero, enfrentará a
ditadura da adolescência sem fim. Eu me sinto como se estivesse prestes a
testemunhar uma reviravolta.
O
balé é como o esporte e a matemática. As principais realizações acontecem muito
cedo e a aposentadoria se dá logo aos 40 do primeiro tempo. Será que, a exemplo
de Pina, não é possível substituir o culto à perfeição física pela sapiência da
idade?
Quando
minha mãe era bem moça, ouviu do velho ator português João Vilaret: “Fernanda,
você tem muito talento, mas só vai entender isso daqui a vinte anos”.
Bibi
está prestes a completar 90. No dia 1º de junho celebrará a data em cena, no
recém-inaugurado Teatro Tereza Rachel. Já reservei meu lugar. Perguntada a
respeito de um grande arrependimento na vida, Bibi respondeu: “Ter tirado as
minhas sobrancelhas”. Que aspirante a atriz teria essa verve? Que belezinha
imberbe evitaria a longa resposta enfadonha e a chatice de se levar a sério?
O
homem velho é o rei dos animais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário