O autor e teólogo vislumbra a
falência do teísmo aberto e destaca a importância da pregação sobre o
sacrifício de Cristo.
Adepto de uma teologia ortodoxa, defensor de posições que levam muitos a acusá-lo de fundamentalista e dono de um discurso bastante incisivo, John Stephen Piper é uma figura que se destaca numa época da história do cristianismo em que se tornou charmoso seguir o discurso heterodoxo da Igreja emergente, ostentar a crença no liberalismo teológico, manter um discurso baseado num amor divino água-com-açúcar ou mergulhar de cabeça na teologia da prosperidade. Esse posicionamento levou o pastor da Igreja Batista Bethlehem, em Minneapolis (EUA), a se tornar uma referência para os mais conservadores e, simultaneamente, uma figura rejeitada pelos mais liberais, que o acusam de “não pregar o Evangelho do amor”.
Piper tem uma história de vida
cheia de marcos dolorosos. Filho de um evangelista ausente, que viajava por todo o país plantando igrejas. Perdeu
a mãe numa batida de ônibus. E, aos 60 anos, no dia de seu
aniversário, recebeu a notícia de que estava com
câncer de próstata – do qual se recuperou após uma cirurgia. Com
65 anos de idade, é casado com Noël Piper desde
1968, com quem tem quatro filhos, uma filha e um
grupo grande de netos. Formado em Teologia pelo Wheaton College em 1968,
tornou-se mestre em divindade pelo Fuller Theological Seminary três anos
depois. O doutorado veio em 1974, em Estudos do Novo Testamento, na Universidade de Munique, na Alemanha. Seu
ministério pastoral começou em 1980, após o que Piper define
como “um chamado irresistível de Deus para pregar”. Por
fim, ganhou notoriedade nacional e internacional após a publicação de seu livro Desiring
God, originalmente chamado no Brasil de Teologia da alegria e
posteriormente rebatizado de Em busca de Deus (Shedd
Publicações).
Em 1994, Piper
criou o ministério Desiring God, que, nas suas palavras, foi
idealizado para “disseminar a paixão pela supremacia de Deus em todas as coisas
para a alegria de todos os povos em Jesus Cristo”. A quem segue essa filosofia,
Piper cunhou o termo “hedonista cristão”. Amado ou criticado, o conferencista,
poeta e escritor de 37 livros tem sido uma voz que vem ecoando nos quatro
cantos do chamado universo evangélico.
John Piper
concedeu esta entrevista exclusiva a CRISTIANISMO HOJE, onde fala sobre
assuntos que têm movimentado os debates teológicos e pastorais dos nossos dias.
Temas com teísmo aberto, heterodoxia da fé e os efeitos da modernidade sobre o
cristianismo, entre outros. E preferiu não responder a outras questões, como
sua reação polêmica ao suposto universalismo do pastor emergente Rob Bell,
considerada por muitos como falta de amor cristão.
CRISTIANISMO HOJE – Depois
da tragédia no Japão, em março, o senhor declarou que toda calamidade é um
chamado de Deus para que os que permaneceram vivos venham a se arrepender. Essa
declaração entra em choque direto com o chamado teísmo aberto, que estabelece
uma suposta incapacidade de Deus de interferir nessas situações. Qual é
exatamente a sua visão sobre essa corrente teológica?
JOHN PIPER – A menos que eu esteja
desinformado, o teísmo aberto não teve muita repercussão nos Estados Unidos.
Não vejo essa teologia ganhando terreno. As pessoas mais informadas biblicamente
enxergam a negação da preciência de Deus como um conceito espiritualmente e
intelectualmente repugnante. Elas sabem intuitivamente que Deus não é Senhor se
não pode saber tudo o que virá a acontecer no futuro. O caso exegético que Greg
Boyd, Clark Pinnock [principais expoentes dessa corrente teológica nos EUA]
e outros tentaram estabelecer não convenceu os leitores mais cuidadosos da
Bíblia.
E quanto às implicações
pastorais do teísmo aberto?
Essas implicações
não são percebidas pela maiora dos cristãos como algo reconfortante – a saber,
o fato de que o mal que você vivencia pode ter surpreendido Deus da mesma forma
que surpreendeu você. A maior parte dos crentes em Jesus entende que existe uma
esperança bíblica muito maior de conseguirmos alcançar paz ao vivenciarmos o
problema do mal por meio da sábia soberania de Deus – a posição reformada – ou
da concessão do Senhor à autodeterminação humana (posição arminiana). Nenhuma
dessas duas visões nega a preciência de Deus do jeito que o teísmo aberto faz.
Presenciei debates
entre integrantes da chamada Igreja emergente, em que proponentes da versão
brasileira do teísmo aberto – a chamada teologia relacional – foram bem
ofensivos ao senhor. Cheguei a ouvir um pastor bastante influente entre jovens
chamar o senhor publicamente de “fundamentalista enrustido de neocalvinista”.
Como o senhor lida com esse tipo de reação?
Lido com esse tipo
de crítica principalmente ao preparar e disponibilizar sermões, livros e
artigos sólidos que são basedos o mais explicitamente na Bíblia que sou capaz
de fazer. Rótulos desse tipo vão pegar ou não, em longo prazo, em função do que
nós dizemos e fazemos e nunca pelo modo como respondemos aos nossos críticos. A
pergunta é: ao longo de 30 anos de vida pastoral, de testemunho público e de
uma produção literária sólida, a maioria dos cristãos espiritualmente saudáveis
é auxiliada ou é ferida pelo que eu faço e digo? Conhecemos a árvore pelos
frutos. Eu quero ser bíblico; então, ser “enrustido”, “fundamentalista” ou
“calvinista” é bastante secundário. Desejo que, no todo, meu ministério seja
definido pelas Escrituras. O Corpo de Cristo fará esse julgamento no curto
prazo – e Jesus fará no fim.
O senhor já se
manifestou criticamente em relação ao fato de o homem fazer planos – deixando
claro que, em sua opinião, Deus não deseja que confiemos em nossos próprios
meios. Como fechar a conta de maneira equilibrada, uma vez que
a própria Escritura recomenda o planejamento das atividades humanas?
Respondo isso com
a Bíblia. “Prepara-se o cavalo para o dia da batalha, mas o Senhor é que dá a
vitória” (Provérbios 21.31). “Em seu coração o homem planeja o seu caminho, mas
o Senhor determina os seus passos” (Provérbios 16.9). Deus nos deu vontade e
raciocínio. Ele deseja que nós os usemos para discernir sua vontade e
realizá-la, conforme Romanos 12.2. E Deus é absolutamente soberano sobre os
mais ínfimos aspectos de nossas vidas. “A sorte é lançada no colo, mas a
decisão vem do Senhor”, diz o autor de Provérbios. Assim, Deus deseja que nós
decidamos na dependência de sua graça capacitadora, que planejemos na
dependência de sua maravilhosa graça e que ajamos na dependência de sua
maravilhosa graça.
Qual seria a razão
para isso?
A razão para
isso é tamanha que, quando decidimos, planejamos e agimos, Deus recebe a glória
por todas as coisas boas que advirão: “Se alguém serve, faça-o com a força que
Deus provê, de forma que em todas as coisas Deus seja glorificado mediante
Jesus Cristo, a quem sejam a glória e o poder para todo o sempre (I Pedro
4.11).
E de que modo
saber que Deus é soberano em todas as nossas ações deve influenciar nossas
ações cotidianas?
Essa certeza
deveria tornar-nos humildes, ousados e prontos para arriscar tudo pela glória
do Senhor.
Recentemente o
senhor tirou um período sabático de oito meses. Qual foi o seu propósito ao se
retirar da igreja por um periodo tão extenso?
Uma situação de
estresse e a avaliação de questões espirituais em três áreas de minha vida me
conduziram ao ponto de solicitar esse período de afastamento. Eu queria fazer
uma análise em aspectos relacionados à minha alma, à minha família e ao meu
ministério. E, quando me refiro a essa análise, estou me referindo a um esforço
dedicado a discernir as motivações do meu coração, os padrões adotados em minha
vida familiar e o ritmo de meu ministério. Às vezes, a melhor maneira de
discernir a natureza de suas motivações é parar de fazer o que você está
motivado a fazer. E, às vezes, os motivos de estresse podem ser de tal natureza
que a melhor maneira de ver se eles são recompensadores – e podem ser – é
removê-los. Fico feliz por ter me afastado esses meses.
E quais foram os
resultados que esse período sabático lhe proporcionou?
Vou mencionar
apenas um resultado: ao participar dos momentos de louvor em uma igreja irmã,
confirmei para minha própria alma que amo Jesus em adoração e não apenas me
realizo ao ajudar outras pessoas a amá-lo. Além disso, amei ouvir pregações
bíblicas, mesmo quando não era eu o pregador. E também amei cantar junto com o
povo de Deus, mesmo quando aquelas pessoas não faziam parte do rebanho que eu
discipulo na igreja que pastoreio.
Muitos pastores
hoje em dia dividem o púlpito das igrejas que lideram com uma série de outras
atividades eclesiásticas, além de atuar como escritores e palestrantes – o que
é o seu caso. Essa diversidade não prejudica o chamado intrínseco ao pastorado?
Um ministério mais
amplo fora da igreja local pode impedir o pastoreio do rebanho. Afinal, se
estou palestrando em uma conferência ou me dedicando a escrever um livro, não
estou junto às minhas ovelhas nesses momentos. Logo, minha presença pessoal no
pastoreio pessoal é menos frequente. É então que surge a pergunta: será que um
pastoreio que segue esse modelo deve ser impedido? Não, desde que você tenha
parceiros no ministério – vocacionados ou não-vocacionados – que o
auxiliam na condução desse trabalho.
Há possibilidade
de a Igreja contemporânea resgatar a ortodoxia bíblica? Em sua opinião, quando
o pêndulo vai se inclinar na direção da fé impoluta?
Todas as coisas
são possíveis para Deus. Nenhum cronograma escatológico bíblico exige que as
coisas se tornem piores no período da História do mundo em que estamos vivendo.
Historicamente, Deus provocou reviravoltas espirituais, teológicas e sociais em
alguns dos piores momentos da caminhada da humanidade. Não tenho nenhuma
percepção clara nem discernimento da parte do Senhor para os nossos dias, tanto
no que tange a um possível desdepertamento, a uma depuração ou a uma reforma de
sua Igreja. Minha tarefa não é saber o que ele vai fazer, mas
trabalhar e orar para o que ele pode fazer por meio da
fidelidade de seus servos.
No Brasil, a
teologia da prosperidade impregnou os setores da Igreja que estão com mais
visibilidade na mídia, importada de ensinamentos de Kenneth Hagin e outros.
Isso gerou uma enorme reação negativa da sociedade à Igreja e desvirtuou
profundamente a mensagem do Evangelho. De que modo os setores mais ortodoxos da
Igreja devem reagir a isso?
Parece-me que uma
das testemunhas mais claras contra o “evangelho” herético da prosperidade é uma
Igreja humilde, pronta a se sacrificar e a sofrer pela causa do verdadeiro
Evangelho. E, com essa finalidade, nós precisamos de uma teologia bíblica
robusta que fale de sofrimento e da soberania de Deus. Então, creio que os
pastores deveriam abordar em suas pregações o tema do sofrimento.
De que modo?
Através de uma
abordagem saudável da verdade de que Deus é mais glorificado em nós quando nos
contentamos nele. E a grandeza de seu valor brilha mais reluzentemente quando
esse contentamento é sustentado por meio do sofrimento e não da prosperidade.
Isso redunda em que a glória de Cristo é nosso maior tesouro – e não riqueza,
saúde, família ou mesmo a nossa própria vida. Logo, a pregação deve
continuamente mostrar não que Jesus é o caminho para a properidade, mas que ele
é melhor que prosperidade.
Outro movimento
teológico que cresce no Brasil é o dos chamados "cristãos cansados da igreja":
pessoas que foram feridas por pastores, membros, hierarquias, liturgias e
instituições e que, por isso, defendem o exercício da fé cristã fora das
estruturas eclasiásticas tradicionais. Como devemos responder a esse fenômeno,
como indivíduos e como comunidade de fé?
É impossível
seguir o Senhor Jesus sem amar o seu povo. A apóstolo João disse que sabemos
que já passamos da morte para a vida porque amamos nossos irmãos – e que quem
não ama, permanece na morte (I João 3.14). O olho não pode dizer para a mão que
não precisa dela. Assim, mesmo que uma pessoa abandone uma igreja institucional,
o espírito de adoção vai conduzi-la a outros crentes em Jesus. E, mais cedo ou
mais tarde, essa comunhão vai desenvolver algo como “estruturas eclesiásticas”
institucionais. A Bíblia regulamenta a igreja por meio de presbíteros e
diáconos, conforme I Timóteo 3. Algo parecido com isso vai surgir, a menos que
a referida comunhão se retire da Palavra de Deus e do amor.
E qual é a atitude
cristã correta em relação a esses que se afastaram?
Deveríamos nos
arrepender em amor dos pecados que eventualmente tenham afastado essas pessoas
e estabelecer reformas que removam todos os tropeços antibíblicos. E, então,
deveríamos, com toda humildade, tentar trazê-los de volta.
O tráfego de
informações e influências por meio da internet tem feito as paredes
denominacionais, doutrinárias e teológicas cairem de modo inédito na história
do cristianismo. Isso ocorre pela ação de blogs, redes sociais, sites de
transmissão de vídeos e similares, essenciamente. O senhor consegue enxergar,
em médio e longo prazos, que efeitos esse fenômeno trará para a Igreja, em
especial no processo de formação de conceitos na mente de cada cristão?
Não, não consigo.
É muito cedo para dizer que efeitos advirão disso tudo. É fácil se tornar um
profeta do apocalipse e predizer os efeitos que a informação e o entretenimento
desenfreados terão sobre nós. Certo é que atualmente andamos mais distraídos.
Dedicamo-nos muito mais a buscar frivolidades na internet. Também estamos mais
facilmente em contato com material que pode nos corromper, como pornografia ou
imbecilidades que anestesiam a nossa alma. Porém, nada disso é irreversível. E
as possibilidades de colocar à disposição materiais positivos para uma quantidade
cada vez maior de pessoas devem superar os problemas. É por isso que devemos
orar – e é nesse sentido que devemos trabalhar.
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