Há dois artigos escritos por E. R. Kivitz em seu Blog “Outra
Espiritualidade” que muito me chamaram a atenção . De início não posso negar a
honestidade do autor em se associar ao subjetivismo pós-iluminista muito em
moda hoje. Em sua inflamada crítica à Teologia Reformada, ele se
agrega (sem nenhum constrangimento) à escritores que produziram, do ponto de
vista teológico, o que eu chamo de lixo letrificado. São pessoas da
laia de Marx, Nietzsche, Freud e Sartre. Sem contar os “outros caras do tipo”
que fizeram minha mente vaguear por Michel Foucault, Wilhelm Reich, Claude
Alzon, Jacques Lacan e por aí vai. Surpreendeu-me a forma como tais autores
foram harmonizados em suas propostas teóricas quando, na verdade, travaram
batalhas epistemológicas colossais.
O assunto central já é conhecido de todos por
aquilo que se chama Teísmo Aberto, porém os artigos
citados trazem uma colherada a mais ao asseverar que pessoas crédulas no que
está em 1 Crônicas 29: 10 – 19 são: alienadas, covardes e infantis.
Se esta afirmação leviana atingisse apenas pessoas ínfimas e desconhecidas como
eu, tudo estaria bem. O problema é que pessoas muito melhores foram atingidas.
Dentre elas cito o Apóstolo Paulo que ousou afirmar: “Mas quem é você, ó
homem, para questionar a Deus? ‘Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o
formou: Por que me fizeste assim?’”. Ou Davi quando
escreveu: ”Todos os dias determinados para mim foram escritos no teu livro antes de
qualquer deles existir”. Nabucodonosor foi reduzido a um
tolo quando exclamou: “Todos os povos da terra são como nada diante dele.
Ele age como lhe agrada com os exércitos dos céus e com os habitantes da terra.
Ninguém é capaz de resistir à sua mão ou dizer-lhe: ‘O que fizeste?’”.
E Jó a um insano ao declarar diante da sua tragédia: “O Senhor o deu, o
Senhor o levou; louvado seja o nome do Senhor”.
Até o Salvador Jesus foi afrontado por dizer: “Não se vendem dois
pardais por uma moedinha? Contudo, nenhum deles cai no chão sem o consentimento
do Pai de vocês. Até os cabelos da cabeça de vocês estão todos contados.”
Minha indignação cresce quando contrasto estas palavras do Senhor com a
afirmação: “Muita gente procura em Deus o pai que nunca teve e ou gostaria de ter
tido, isto é, aquele protetor e provedor incondicional, para quem se corre
quando a vida faz careta.”. Embora haja ironia e desprezo
por parte de Kivitz, foi assim que Deus se revelou, foi assim que Jesus o
apresentou!
Quanto ao comentário “Não são poucos os
que se apegam ao ‘fator Deus’ em busca de consolo para sua infelicidade na
existência e sobrevivem do sonho do paraíso pós-morte, deixando a história
entregue aos oportunistas”, não vejo como alguém pode
“entregar” a história aos oportunistas por uma (pseudo) passividade
paradisíaca. Aliás, esse discurso marxista com relação à História já passou do
obsoleto, chegando às raias do inaceitável, pois a História não é um ente que
se entrega a um espertalhão, mas é uma simples construção da memória. Em outras
palavras, História não se faz no cotidiano cultural, mas se constrói por meio
de pesquisa como atividade majoritariamente acadêmica. O historicismo hegeliano
precisa ser exorcizado juntamente com a metodologia dialética estruturada no
pensamento socialista. Além disso, bem ao contrário do que é insinuado, eu
desejo ouvir na eternidade: “Venham, benditos de meu Pai! Recebam
como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo”.
Aleluia, nada posso fazer por este paraíso, pois o Deus soberano o preparou
completamente há muito tempo.
Com a afirmação “[Deus] manipulava todas as
circunstâncias da minha vida como um tapeceiro que corta fios e dá nós no
emaranhado do avesso do tapete, para revelar a bela paisagem ao final do
processo, capaz de encantar todos aqueles que olham pelo lado certo”,
Kivitz transforma Romanos 8 em uma grande trapaça. Eu, ao contrário, acredito
numa soberania que ultrapassa a minha mente. E nenhuma ‘metanóia’ kivitziana (“expansão de
consciência”) fará com que eu alcance esta suprema divindade
do Criador.
Vejo problema também quando o articulista afirma que Nietzsche, Marx,
Freud e Sartre lutaram, não contra Deus, mas contra a religião somente.
Reificar a religião protestante é atividade de cientistas sociais ateus que,
desde Feuerbach, desprezam qualquer conhecimento revelado objetivamente.
Nietzsche, por exemplo, apregoava o surgimento do super-homem que
suprimiria o escravo-homem. Tomar a ideia de um Deus
objetivo neste contexto seria, no mínimo, paradoxal. Marx esperava uma
sociedade sem classes (pobre utopia) em detrimento da escatologia
transcendental. Tomar a ideia de um Deus objetivo neste contexto
seria, no mínimo, ilógico. Freud acreditava no que ele mesmo chamou de “mal
estar da civilização”, ou seja, um tipo de sublimação cultural que fazia do
indivíduo um re-direcionador da sexualidade. Tomar a ideia de um Deus
objetivo neste contexto seria, no mínimo, imoral. Sartre contradisse o existencialismo
cristão (quanto à sua metafísica transcrita) com as três fases denominadas: desamparo, angústia e desespero,
tidas como características da existência em contraposição à essência (basta
lembrar o impagável exemplo do ‘cortador de papéis’). Tomar
a ideia de um Deus objetivo neste contexto seria, no mínimo,
incoerente. Logo, tais produtores de lixo letrificado do ponto
de vista teológico estavam na onda do ateísmo que se propagou a partir do
século XIX. Sim, seus canhões se voltaram contra Deus, até porque, não concebo
a revelação divina fora da esfera do cristianismo, da Igreja ou do corpo de
Cristo na terra.
A meu ver, o Teísmo Aberto conduz,
no final das contas, o indivíduo a um desespero abissal pelo fato de ele
conviver com uma divindade que não é capaz de guiá-lo ou de agir soberanamente.
Pensar que o meu futuro e o futuro dos meus filhos estão lançados à própria
sorte é, no mínimo, angustiante. Talvez seja por este motivo que Kivitz ceda à
lógica Reformada ao dizer: “Descanso no fato de que, apesar de
Deus não ser a causa primeira de tudo quanto me acontece, não há qualquer coisa
que venha me acontecer que esteja fora do seu conhecimento, controle e cuidado.”
Embora haja aqui um contraste com a doutrina da Providência por retirar de Deus
o status de causa primeira,
salta aos olhos a necessidade de se ter uma divindade que, de uma forma ou de
outra, é a mesma pregada pelos Pais Apostólicos, por Agostinho, por Calvino e
pela Teologia Reformada.
Concluo dizendo que os textos analisados não
escapam à subjetividade visceral peculiar a todos os que defendem a Teologia Relacional como
proposta que retira das vísceras um deus estranho à revelação textual das
Escrituras. É por isso que eu prefiro conhecer o Criador por meio da sua
bendita Palavra que revela o suficiente à minha vida de cristão e de servo
eleito que crê na soberania divina, na providência teísta e na majestade
absoluta de Deus. Neste caso, até mesmo Aristóteles, com sua teoria do Motor Imóvel,
conseguiu se aproximar da Verdade sem, contudo, alcançá-la. Proximidade que não
ocorre com os defensores de um deus fraco e passional semelhante aos deuses do
monte Olimpo. Quanto a mim, fico com Aristóteles, fico muito mais com as Escrituras.
Que Deus seja Deus!
SOLA SCRIPTURA
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