Digo habitualmente que poucas coisas são tão perigosas quanto a intolerância dos que se querem donos da tolerância. Por quê? Porque podem praticar ou defender as maiores arbitrariedades, dado que já estariam blindados por seu natural alinhamento com o bem. Leiam o que segue. Volto em seguida.
Procuradoria processa igreja e RedeTV! por ofensa a ateus
O Ministério Público Federal entrou com uma ação contra a RedeTV! e a Igreja Internacional da Graça de Deus sob acusação de terem ofendido os ateus. Na ação, a Procuradoria reclama de frase dita pelo pastor João Batista no programa “O Profeta da Nação”, exibido no dia 10 de março.
“Quem não acredita em Deus pode ir para bem longe de mim, porque a pessoa chega para esse lado, a pessoa que não acredita em Deus, ela é perigosa. Ela mata, rouba e destrói. O ser humano que não acredita em Deus atrapalha qualquer um”, disse o pastor.
Para o procurador Jefferson Aparecido Dias, as declarações ferem a Constituição, que prevê a liberdade de pensamento e de religião. Ele lembra ainda que, apesar de a maioria da população ser cristã, o Estado brasileiro é laico. O Ministério Público pede na Justiça que a emissora e a igreja exibam uma retratação durante o programa e uma explicação sobre a diversidade religiosa. As mensagens devem ter, no mínimo, o dobro do tempo da crítica do pastor.
A Procuradoria também quer que o Ministério das Comunicações fiscalize o programa. A RedeTV! afirmou que não irá se manifestar porque o programa é uma produção independente de responsabilidade da igreja. A emissora ainda diz que não foi comunicada oficialmente da ação. A Igreja da Graça foi procurada pela reportagem, mas ainda não se pronunciou.
VolteiEu lamento que a Procuradoria esteja gastando nosso dinheiro com esse tipo de coisa. Não sei qual é a dessa igreja — não conheço. Tampouco tenho motivos especiais para defender a RedeTV!, ainda mais com este ponto de exclamação… Mais ainda: acho o juízo expresso pelo pastor uma tolice, um erro. Religiosos, das mais variadas confissões, podem matar, roubar o diabo a quatro. Aliás, exemplos não faltam. É uma opinião idiota. Eu mesmo conheço ateus com os quais passaria horas conversando e não dispensaria dois dedos de prosa a alguns católicos, da minha religião. Adiante.
O procurador está certo. A Constituição garante a liberdade de religião e de pensamento. Inclusive de quem pensa besteira. Se os fundamentos do estado liberal-democrático não servem à procuradoria, eu lhe empresto uma frase da socialista Rosa Luxemburgo, contestando Lênin: “Liberdade é, apenas e exclusivamente, a liberdade dos que pensam de modo diferente”. Eu, hein, Rosa! E olhem que ela não queria exatamente uma democracia liberal…
E há nessa história um traço curioso. Segundo esse particular ponto de vista, o ateísmo também se constituiria numa religião. Se nem mesmo os que comungam de uma mesma confissão, que costuma ter preceitos, exercem a fé de modo idêntico, qual seria o princípio unificador do ateísmo? Qual seu rito? Quais seus fundamentos? Como seria um culto celebrador (o dicionário não abona “celebratório”) de ateus?
Nessa marcha, chegará um dia em que as pessoas serão proibidas de se reunir segundo as suas afinidades porque todo procedimento eletivo carregaria consigo o germe da discriminação. Um superestado, a quem concederíamos o direito de decidir o que pode ou não ser pensado, se encarregaria de nos reunir de vez em quando em praça pública para a celebração de valores oficialmente universais. Seria a morte perfeita da liberdade em nome do bem da humanidade.
O pastor falou uma tolice. Mas ser punido por isso? Agora é proibido ser tolo?
Que dias estes!
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