"O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons." - Martin Luther King

quarta-feira, 30 de março de 2011

PRIMAVERA ÁRABE CHEGA À SÍRIA - Para melhor entender os conflitos do Oriente Médio – Por Vitor Gomes Pinto

ORIENTE MÉDIO
Há duas opiniões sobre o furor reformista e por vezes revolucionário que há três meses se abate sobre o mundo árabe. A primeira considera que o movimento está chegando a um beco sem saída e logo será vítima de um refluxo; a segunda acha que, ao contrário, agora é que está chegando ao ponto desejado, afetando o que interessa: os inimigos do Ocidente ou, de maneira mais restrita, dos Estados Unidos. A razão para tanta disparidade de interpretação está em que na última semana o conflito mudou de figura, deixando um pouco de lado o grupo de países com governos absolutistas pró-ocidente (Tunísia, Egito, Iêmen, Bahrein, Jordânia e até mesmo a Líbia por suas recentes conexões com a Europa) e atingindo a Síria, aliada do Irã, decididamente pró-árabe e anti-Israel.
A Síria, cuja história se confunde com as origens da civilização, não é uma terra de paz. Ocupada por assírios, persas e macedônios, mais tarde pelos romanos (século I A.C.), cruzados e otomanos, após ganhar a independência caiu em 1963 nas mãos do partido Baath e da família al-Assad. Hafez governou de 1970 até morrer em 2000. A Constituição foi modificada para que seu filho Bashar de 32 anos assumisse pois não era permitido um presidente tão jovem, mas não houve alteração no dispositivo pelo qual o Baath “é o partido líder no Estado e na sociedade”, na prática o partido único. Vieram as guerras contra Israel – dos Seis Dias em 67, do Yom Kippur em 74, do Líbano em 78. No Vale do Grito, sírios com megafones continuam tentando se comunicar com parentes isolados no lado de lá das colinas de Golã. Enquanto mantém o apoio ao Hamas e ao Hezbollah, internamente o governo tenta controlar cerca de 1,8 milhão de curdos, quase 10% da população síria, que persistem à espera do grande momento no qual se unirão aos seus irmãos que estão na Turquia, no Irã e no Iraque. A família de Bashar al-Assad e os ocupantes dos principais postos de mando são alauítas, um ramo da minoria xiíta que tem 13% da população, contra 74% dos sunitas (os demais são cristãos e druzos). São todos muçulmanos, mas os sunitas aceitam qualquer Califa como sucessor de Maomé, ao passo que para os xiitas há de ser um parente consangüíneo do profeta e só reconhecem a doze Imãs. O último, Al Mahdi, não morreu, está oculto desde o século IX e enquanto não retorna os sábios xiitas são seus administradores. Os alauítas não aceitam a lei islâmica da Sharia com suas regras severas, defendem uma ordem social secular e direitos iguais para homens e mulheres. Há convivência, mas nunca aceitação das crenças. O governo sírio acusou o Sheik Youssef al-Qaradawi de ter incitado as multidões aos protestos nas ruas de cidades como Latakia e Daraa (a repressão das forças de segurança resultou em mais de vinte mortos). Qaradawi tem milhões de seguidores e é uma das mais influentes vozes do mundo sunita. Pregando em Doha, no Qatar, disse que “hoje o trem da revolução chegou a uma estação à qual inevitavelmente teria de aportar: a estação da Síria”. A oposição, após cinco décadas de coerção, está desarticulada e se compõe de adeptos do grupo Irmãos Muçulmanos, de comunistas, curdos e liberais. Seus líderes estão na clandestinidade, no exterior ou nas prisões. Não há qualquer compatibilidade ideológica entre as alas oposicionistas, por ora unidas apenas em torno do desejo de derrubar o regime de al-Assad. Uma tentativa de revolta dos Irmãos Muçulmanos em 1982 foi liquidada barbaramente na localidade de Hama, com um saldo de 40 mil mortos. A Frente de Salvação Nacional criada cinco anos atrás em Bruxelas por Abdel Halim Jaddam, ex-vice presidente sírio, não prosperou. O regime sírio é um dos mais fechados e restritivo das liberdades do Oriente Médio. Nas ruas, ativistas clamam por empregos, fim da corrupção e medidas para aliviar a pobreza, mas ainda não apresentam qualquer plataforma de governo. Começando a ceder à pressão, al-Assad anuncia até a revogação da Lei de Emergência sob a qual o país vive legalmente em estado de sítio desde 1963. Steven Cook, Conselheiro de Relações Exteriores dos EUA, disse que “se um novo e decente governo emergir na Síria, isso alteraria o balanço regional, melhorando as perspectivas para a paz. Em teoria, um regime democrático em Damasco seria uma má notícia para o Hezbollah e para o Irã, e uma boa notícia para o ocidente”. É impossível prever a composição e as posições políticas de um eventual novo governo na Síria, ou quais as conseqüências de uma guerra civil e o que ocorreria na vizinhança, onde Líbano, Jordânia, Iraque, Israel e Turquia reforçam as fronteiras e caçam seus próprios opositores. Com Obama, um novo Oriente Médio está surgindo. Muçulmanos e cristãos rezam para que isso signifique um mundo melhor.

Vitor Gomes Pinto - Escritor. Consultor internacional

Fonte: bemparana.com

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