- Sinais podem ser confundidos com transtornos de
aprendizagem. Diagnóstico final só é possível a partir de testes feitos por
psicólogos.
João Pedro, de 9 anos, tem facilidade com
matemática e eletrônicos e foi diagnosticado como superdotado (Foto: Guilherme
Zauith/G1)
Há dois anos,
Pérola Sutto Ferreira Carvalho, de 33 anos, foi convocada pela direção da
escola do filho porque ele não fazia as lições e não se interessava pelas
aulas. A mãe achava que João Pedro, hoje com 9 anos, tinha déficit de atenção.
Depois de uma bateria de avaliações e consultas com psicólogos, veio o
diagnóstico: João Pedro é um menino com habilidades acima da média esperada
para sua faixa etária, o que popularmente é chamado de superdotado.
Os pais perceberam
que João Pedro não prestava atenção nas aulas porque não as achava estimulante
e não via desafio no conteúdo apresentado. Este é um dos sinais que uma
criança com altas habilidades pode apresentar.
“Vou fazer faculdade de empresário, gosto de criar
coisas, quero ser dono de uma empresa de reciclagem, mas também quero criar um
carro voador" (João
Pedro, 9 anos).
Nem sempre um
superdotado é um excelente aluno. Geralmente ele é um expert em determinada
área que mais o interessa, mas não tem habilidade em todos os outros campos do conhecimento.
Há, por exemplo, superdotados muito bons em matemática e ruins em português. As
altas habilidades, ainda, podem ser mascaradas durante a infância por
características como distração, indisciplina ou até hiperatividade.
Segundo os pais,
João Pedro tira boas notas nas provas mesmo sem estudar, mexe muito bem no
computador, no celular, e qualquer outro equipamento eletrônico. Quando alguma
luz acende no painel do carro dos pais, ele é o primeiro a propor uma solução
para o problema. O garoto também é muito rápido para resolver contas "de
cabeça", soluciona problemas com três variáveis e costuma ser o ajudante
da professora quando o assunto da aula é matemática.
JP, como é conhecido, adora jogar xadrez (Foto:
Guilherme Zauith/G1)
"Já aconteceu de a professora dar um trabalho
com 16 exercícios, ele foi o primeiro a entregar enquanto os outros ainda
estavam lá pelo quarto problema. Aí ele fica ajudando os colegas. Outro dia
fomos viajar de carro e acendeu uma luz no painel, ele nos explicou que o
símbolo era do catalisador, peça que faz com que o ar saia mais puro do carro.
Verificamos no manual e era isso mesmo", afirma Pérola.
Apesar da
inteligência, ele não gosta de ler, acha que estudar é "muito chato",
e não raro fica proibido de usar o I-pad como punição por não ter feito a lição
de casa. "Na escola gosto de brincar e de fazer aula de matemática porque
sou muito bom em contas, aí fica fácil."
“Nós percebíamos que ele era mais maduro, mais
adulto que as outras crianças. As pessoas falavam que ele é articulado, mas
achávamos que era normal" - Pérola Sutto Ferreira Carvalho, mãe de João Pedro
Aluno do 4º ano,
JP, como é chamado pelos pais já sabe o que quer ser quando crescer. "Vou
fazer faculdade de empresário, gosto de criar coisas, quero ser dono de uma
empresa de reciclagem, mas também quero criar um carro voador."
Pérola diz que
desde pequenininho, JP gosta de montar e desmontar quebra-cabeças e brinquedos
no geral, e sempre gostou de jogos no computador, mas aprendeu a ler e escrever
no tempo normal. "Nós percebíamos que ele era mais maduro, mais adulto que
as outras crianças. As pessoas falavam que ele é articulado, mas achávamos que
era normal." O menino não tem problemas de socialização, na escola gosta
de ajudar os colegas e é participativo.
Apesar de a
legislação permitir a aceleração de séries, os pais de JP optaram por não
adiantá-lo. Segundo Pérola, o filho poderia estar no 6º ano, dois anos a
frente. "A maturidade dele é de um menino de 9 anos, por isso optamos por
não adiantá-lo. Ele não curte a infância como eu gostaria, brincando na rua,
por exemplo, mas vejo que não é só ele, é toda a geração."
Pais de João Pedro optaram por manter o filho na
série original (Foto: Guilherme Zauith/G1)
Como identificar
um superdotado?
Segundo a
Organização Mundial da Saúde pelo menos 3% da população mundial tem altas
habilidades. Não é simples chegar ao diagnóstico porque os sinais podem ser
confundidos com problemas como dislexia, déficit de atenção ou outros
transtornos de aprendizagem.
Os superdotados têm raciocínio e aprendizagem
rápidas, são curiosos, pesquisadores natos, na infância tendem a querer
conviver mais com os adultos, e podem ter problemas de interação social. No entanto,
somente os testes aplicados por psicólogos e validados pelo Conselho Nacional
de Psicologia, podem, de fato, identificar se a criança tem alta habilidade.
Estas tem quociente de inteligência (QI) acima de 130 – a média fica entre 100
a 110.
Segundo o
psicólogo escolar Adriano Gosuen para chegar ao diagnóstico nunca se aplica um
teste só. São necessários no mínimo dois para uma avaliação mais consistente.
"São oito encontros intercalados de uma semana para avaliação. O
diagnóstico é importante para ajudar a entender o que está acontecendo com a
criança. Não é essencial para dar um nome, e sim, para tomar uma atitude."
Também é necessária uma análise clínica.
A avaliação só
pode ser feita a partir dos 6 anos. Antes, familiares e professores podem
acompanhar a precocidade da criança, que neste período é só um indicador. “Às
vezes uma criança aos 3 anos chega lendo, escrevendo e fazendo contas. Vale
acompanhar para ver se aquilo que a criança desenvolveu cedo vai permanecer, e
fazer com que aprenda algo”, diz a psicóloga Andréia Roselia Alves Panchiniak,
coordenadora do Núcleo de Atividades de Altas Habilidades da Fundação
Catarinense de Educação Especial.
"Da mesma forma que o deficiente precisa de
estratégia para se desenvolver, os superdotados precisam de atendimento
especializado para que a capacidade seja estimulada e não perca", complementa
Andréia.
Pular ou não de
série?
Crianças com altas
habilidades precisam ser estimuladas e desafiadas para que o potencial seja
desenvolvido. Propor atividades ligadas ao campo de interesse no contraturno
escolar é uma das maneiras. Acelerar a série é outra opção. No entanto, neste
caso, especialistas alertam que é importante avaliar a maturidade do estudante.
"É preciso desenvolver o potencial para a
energia não ficar represada, mas não dá para exigir postura de adulto. A
questão emocional tem de ser cuidada, não dá para a criança virar um
mini-adulto porque tem facilidade em uma determinada área", afirma Paula
Virgínia Viana Cantos, orientadora educacional do Colégio Graphein, em São
Paulo. "Pular série
acarreta uma dificuldade emocional, o aluno tem de ter oportunidade de viver as
fases da vida. Ele é uma criança, acima de tudo, tem de ter contato com as
pessoas da mesma idade."
O Graphein é um
colégio que atende pouco mais de 100 alunos, em salas com turmas de até 12
pessoas. O currículo é personalizado. Um aluno com facilidade em determinada
disciplina tem acesso a conteúdos mais avançados, que pode não ser o mesmo dos
outros colegas de classe. “Somos procurados por pais cujos filhos não se
adaptam às escolas convencionais.”
Lucas Galvão já ganhou 15 medalhas em olimpíadas do
conhecimento (Foto: Arquivo pessoal/Lucas Galvão)
Campeão de
olimpíadas
Lucas Pereira
Galvão de Barros, de 15 anos, é superdotado, mora em São Paulo, e aproveita as
altas habilidades na matemática. Aos 3 anos já lia e gostava de fazer contas.
Hoje cursa o 1º ano do ensino médio no Objetivo Integrado, em São Paulo, e
participa de olimpíadas desde 2010. Já tem mais de 15 medalhas na coleção,
entre elas, duas internacionais. Desde sempre trata a questão com naturalidade.
"Tentava não
fazer disso um problema, para não ser diferente, queria socializar. Tentava não
me sentir diferente", diz.
Lucas evita falar
que é superdotado 'para não ser chato' e não gosta de estereótipos como gênio. "Se as
pessoas souberem tudo bem, não tem problema, até porque na minha sala todos são
excelentes alunos." "Em exatas eu vou bem em geral, português eu não
acho tão fácil, mas também não vou mal. Tenho mais facilidade em aprender, mas
preciso estudar. Não é por causa disso que vou passar fácil no vestibular ou
nas provas de olimpíadas."
Lucas vai fazer o
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o vestibular da Fuvest como treineiro e
assim que concluir o ensino médio pretende cursar engenharia – quem sabe fora
do Brasil.
A mãe Cristina
Pereira Galvão de Barros, de 43 anos, diz que não cogitou adiantar Lucas de
série pois seu desenvolvimento emocional está dentro da idade correta.
"Desde de bebê ele tinha um comportamento diferente. Tinha ansiedade por
aprender, tinha facilidade para contar histórias. Aos 2 anos queria ler, pois
dizia que era o único analfabeto da casa. Fui procurar ajuda, fizemos os testes
e foi um susto."
Cristina diz que
como o filho não tem problema para interagir, pois isso só vê vantagens no fato
de ele ter altas habilidades. "Ele sempre conquistou as pessoas, tem
facilidade para fazer amizade, vai ao cinema, frequenta festas. Ele é um
adolescente mais responsável, mais maduro, mas sempre foi assim, independente
da questão de ser superdotado. Há o mito de que o superdotado é um nerd com
óculos de fundo de garrafa enfiado no quarto", afirma. "Hoje eles são
super iguais, tem muito mais do que a gente imagina. Aliás, às vezes são
desperdiçados, há talentos soltos por aí. Nossa preocupação com o estímulo é
diária."