"O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons." - Martin Luther King

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

O sangue e a alma – Por Merval Pereira


A ministra Cármen Lúcia pontuou ontem o julgamento do mensalão que tratava de lavagem de dinheiro não apenas com a clareza de seu voto, mas com a definição de que “o dinheiro é para o crime o que o sangue é para a veia: se não circular com volume, não temos como irrigar o esquema”. 
Como já está definido que em grande parte o dinheiro desse esquema criminoso vem da administração pública, a ministra ressaltou que o que foi montado “é um sistema delituoso e grave, alimentado desta maneira”. 
Alguns votos de ontem, por sinal, já anteciparam posições de ministros sobre questões que serão analisadas mais adiante, como a distribuição de dinheiro a políticos. 
A ministra Carmem Lucia, em determinada altura de seu voto, descreveu que “se teve obtenção de recursos de maneira ilícita e a recolocação e entrega a beneficiários que se colocaram à disposição para se fazer isso”. 
Já o ministro Dias Toffoli admitiu “ser possível efetivar uma correlação lógica entre os recursos desviados com a conivência de Henrique Pizzolato, tanto no que se refere ao bônus como à antecipação das verbas do recurso Visanet, e os empréstimos tomados do Banco Rural” à lavagem de dinheiro pelas agências de Marcos Valério e seus sócios, afirmando que está comprovado “o chamado valerioduto”. 
Mas antecipou uma dúvida: se será provado que esse dinheiro serviu para comprar votos no Congresso Nacional. Sua definição provocou uma reação do ministro Gilmar Mendes, que declarou: “Só por um reducionismo muito forte poder-se-ia falar em um "valerioduto". A rigor, é um sistema muito mais complexo do que isso e envolve a participação de autoridades e agentes públicos”. Esse sistema tem alma, exclamou Gilmar Mendes. 
Outro ponto importante do julgamento foi a tentativa do relator Ricardo Lewandowski e do ministro Dias Toffoli de absolver o advogado Rogério Tolentino do crime de lavagem de dinheiro, sob a alegação de que ele era um mero advogado de Marcos Valério e não tinha nenhum poder de mando no esquema criminoso. 
Essa desqualificação de Tolentino antecipa uma outra posição dos dois ministros com relação a indícios que comprometem o ex-ministro do Gabinete Civil José Dirceu. 
Rogério Tolentino foi quem comprou o apartamento de Maria Ângela da Silva Saragoça, ex-mulher de José Dirceu, a pedido de Marcos Valério, que também foi empregada no banco BMG, por interferência do lobista mineiro. 
Foi no BMG que Tolentino tomou um empréstimo de R$ 10 milhões, também a pedido de Marcos Valério, que, na opinião da maioria do STF, permitiu a lavagem de dinheiro desviado dos cofres públicos através de uma triangulação bancária com a empresa de Tolentino. 
O revisor Ricardo Lewandowski alegou que a questão do empréstimo do BMG não estava sendo tratada naquele julgamento, e apenas os empréstimos do Banco Rural, por isso não havia nos autos nada que se referisse a Rogério Tolentino naquele item específico de lavagem de dinheiro. “Mais adiante podemos ver se ele é culpado por formação de quadrilha ou corrupção ativa”, alegou o ministro. 
No entanto, a começar do relator, vários ministros demonstraram que o processo é unitário, não havendo possibilidade de não se analisar alguém por um delito simplesmente por que os detalhes não estão descritos naquela determinada fatia do julgamento. 
O presidente do Supremo Ayres Britto lembrou que todos os ministros tomaram conhecimento integral do processo, e têm informações sobre as conexões de cada um dos acusados. E nos autos havia referência explícicita ao empréstimo do BMG, entre outros. 
A preocupação com a corrupção foi ressaltada no voto do presidente Ayres Britto, que disse que ela leva à “desnaturação do exercício da função pública, a um comércio ultrajante da função pública, e mais do que isso. A corrupção também leva a uma apatia cívica, a um ceticismo cívico, os cidadãos deixam de acreditar na seriedade do poder público”. 
O decano do STF, ministro Celso de Mello, chamara a atenção em seu voto sobre o montante que o crime organizado movimenta pelo mundo, calculado em US$ 1 trilhão “só em matéria de recursos oriundos do tráfico de entorpecentes”. 
A preocupação, ressaltou, “é impedir que ela se valha dos agentes da República, que ela penetre no aparelho do Estado, para, a partir dos ganhos colossais, exercer uma gama muito extensa de poder político, em ordem até mesmo de comandar o próprio Estado - o que é terrível e, por isso mesmo, merece toda repulsa. (...) Portanto, a repercussão não é apenas penal, mas na esfera política e constitucional”
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