Queridos, um daqueles textos longos. Mas façam um esforço. Eles nos diz muito do passado. Mas também do presente. Leiam este relato de um assassino contando como se comportou a sua vítima.
“Eu, atrás [do banco do carro] com um fuzil Mauser 762, que é um fuzil muito bom para execução, de muita precisão. E quando ele [a vítima] chega na esquina da alameda Casa Branca, ele tinha de parar porque tinha uns dois carro (sic) na frente (…). Ele teve que parar. Quando ele parou, eu tava no banco de trás do carro e falei ‘Vou dar um tiro nele’. Peguei o fuzil, o companheiro que tava na frente, no Fusca, baixou a cabeça e já dei um primeiro tiro de fuzil. Não acertei de cheio porque eu sou destro; eu atiro nessa posição [ele mostra a maneira; notem o verbo no presente], como eu tava atrás, no Fusca, eu tive que inverter e atirei assim, então pegou aqui, de cabeça, no occipital dele, mas já começou a sangrar. Ele abre a porta do carro e sai do carro. Nós saímos. Só o motorista que não sai porque o motorista tem que ficar ali, assegurando a fuga. Saímos eu e outro companheiro. Ele sai com a metralhadora, eu saio com o fuzil. Ele [a vítima] saiu correndo em direção à feira, o companheiro metralhando ele, e eu acertando com dois, três, quatro [tiros], acertei três tiros nas costas dele, e o companheiro, com a metralhadora, acertou vários. Aí, de repente, ele caiu; quando ele caiu, eu me aproximei, e, com a última bala, a gente (sic) sempre dá o último tiro de misericórdia, que é para saber que a ação realmente foi cumprida até o fim.
O que é isso? Algumas considerações prévias. Depois volto ao testemunho do herói que fala acima.
Exibi ontem um vídeo em que o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), a Natalie Lamour do Congresso — que salta de um reality show para subestrelado —, afirma que o povo é ignorante demais para opinar sobre certos temas, especialmente quando sua opinião não coincide com a de Wyllys. Não obstante, o ex-BBB, que chegou à Câmara com uma merreca de votos, tendo Chico Alencar (PSOL-RJ) como o seu Tiririca, está sendo saudado aqui e ali como um verdadeiro pensador progressista. A palavra “povão” num texto de FHC, retirada do contexto e distorcida pelo mau-caratismo, gerou uma onda de protestos. Já a afirmação do deputado faz dele um pensador de respeito. Afinal, ele abraça uma causa considerada “do bem”. Em nome do “bem”, no Brasil, podem-se cometer os piores crimes. Pode-se, inclusive, pregar o desrespeito à democracia, tese que já começa a ser influente em certas áreas da imprensa.
Sigamos.
O SBT exibe um lixo chamado “Amor e Revolução”, uma novela feita pela emissora de Silvio Bolinha de Papel Santos, aquele que quebrou um banco e saiu incólume, sem dever um tostão. Está pagando sua dívida política com o governo dia após dia, contando a história da luta armada segundo a ótica da esquerda. Assisti a dois capítulos. O didatismo bucéfalo do texto e o desempenho melancólico dos atores, tudo amarrado numa direção primária, transformam o que pretende ser um drama com muito sangue — “revolucionário” — numa comédia involuntária. Silvio Santos trocou “A Semana do Presidente”, programa com que puxou o saco de sucessivos governos, por “O Passado da Presidenta”. O resultado não poderia ser pior.
Ao fim de cada capítulo, ex-revolucionários prestam um depoimento, contando a sua história. José Dirceu já esteve lá. Aguarda-se, um dia, o testemunho da própria Dilma. Com uns 20 no Ibope, talvez ela parecesse; como a novela se arrasta entre 4 e 6 pontos, não sei, não… O autor, Tiago Santiago, já apelou até a um beijo lésbico para ver se o ibope se mexia. Nada! Ele promete outro beijo lésbico. Ainda acaba exibindo cenas de sexo explícito dos bonobos… Ai só restará sortear cartelas da Tele-Sena…
Uma das pessoas que deram seu testemunho sobre o período é um homem chamado Carlos Eugênio da Paz. Ele foi chefão da ALN (Ação Libertadora Nacional), um dos grupos terroristas mais ativos e violentos do período, comandada por Carlos Marighella.
No vídeo abaixo, de onde extraí o depoimento que abre este texto, Carlos Eugênio conta, com riqueza de detalhes, como assassinou o empresário Henning Albert Boilesen (1916-1971), então presidente do grupo Ultra, que era acusado de organizar a arrecadação de dinheiro entre empresários para financiar a Operação Banderiantes (Oban), que combatia os terroristas de esquerda. Notem bem: não estou fazendo juízo de valor neste momento. Deixo qualquer questão ideológica de lado. Peço que vocês avaliem com que desenvoltura, precisão e até entusiasmo Carlos Eugênio fala da morte. Assistam ao vídeo (abaixo). Volto em seguida.
Voltei
O que mais impressiona na fala deste senhor é que ele, com todas as letras, justifica a violência que era cometida, naquele período, pelo estado, que prendeu e matou pessoas ao arrepio das leis do próprio regime militar. Carlos Eugênio deixa claro que ele próprio fazia o mesmo. Leiam este outro trecho:
“Um Tribunal Revolucionário da Ação Libertadora Nacional do qual eu fiz parte, um grupo de dez ou 12 pessoas decidiu que, se a pessoa faz parte da guerra e está do outro lado, ele merece ser executado”.
E aí se segue aquela narrativa macabra. Não há a menor sombra de arrependimento, constrangimento, pudor. Boilesen, para Carlos Eugênio, era alguém que merecia morrer — e, como se nota, com requintes de crueldade. Os torturadores do período pensavam o mesmo sobre as esquerdas. A diferença é que eles foram parar na lata de lixo da história — o que é muito bom. Já o senhor que fala acima é tido, ainda hoje, como um homem muito corajoso e um gênio militar. Atenção: sem jamais ter sido preso ou torturado, assassino confesso, Carlos Eugênio é um dos anistiados da tal Comissão de Anistia. Isso quer dizer que ainda teve direito a uma indenização, reconhecida numa das caravanas lideradas por Tarso Genro, em 13 de agosto de 2009.
Observem que quando fala sobre o modo como atira, o homem põe o verbo no presente. Parece que ainda é um apaixonado pelo fuzil Mauser, que, segundo ele, é um “fuzil muito bom para execução”. Evidenciando que nada entende da ética da guerra, mas sabe tudo sobre a morte, afirma:
“Quando ele [Boilesen] caiu, eu me aproximei, e, com a última bala, a gente (sic) sempre dá o último tiro de misericórdia, que é para saber que a ação realmente foi cumprida até o fim.”
Percebam:
“A gente sempre dá [verbo no presente] o último tiro…” Atenção! Tiro de misericórdia, como o nome diz, é aquele disparado para encerrar o sofrimento da vítima, mesmo inimiga, não para “saber se a missão foi realmente cumprida”. É asqueroso!
O “anistiado” e indenizado Carlos Eugênio deixa claro que ele era apenas a outra face perversa da tortura. Leiam:
“Em tempo de exceção, você tem tribunal de exceção. Eles não tinham o deles lá, que condenava a gente à morte, informalmente? A gente nunca condenou ninguém à morte informalmente. Nós deixamos um panfleto no local dizendo por que ele tinha sido condenado à morte, o que é que ele fazia…”
Viram? Para ele, um tribunal da ALN nada tinha de “informal”! Reconhece, ao menos, que era de exceção. Aí está o retrato da democracia que teriam construído se tivessem vencido a guerra. Com esse humanismo, com essa coragem, com essa ética.
Mais um assassinato
Foi seu único crime? Não! Ele já confessou num texto que tem sangue pingando das mãos — sem arrependimento. Aquele era o seu trabalho. O “Tribunal Revolucionário” de Carlos Eugênio também matava companheiros. No dia 19 de novembro de 2008. Augusto Nunes narrou, no Jornal do Brasil, um outro assassinato cometido pelo valentão. A vítima era Márcio Leite de Toledo, membro da cúpula da ALN. Reproduzo um trecho:
“Márcio Leite de Toledo tinha 19 anos quando foi enviado a Cuba pela Aliança Libertadora Nacional para fazer um curso de guerrilha. Ao voltar em 1970, tornou-se um dos cinco integrantes da Coordenação Nacional da ALN. Com 19 anos, lá estava Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz. Em outubro, durante uma reunião clandestina, os generais garotões souberam da morte de Joaquim Câmara Ferreira, que em novembro do ano anterior substituíra o chefe supremo Carlos Marighela, assassinado numa rua de São Paulo. Márcio propôs uma pausa na guerra antes que fossem todos exterminados.
Já desconfiado de Márcio - não era a primeira vez que divergia dos companheiros - Carlos Eugênio convenceu o restante da cúpula de que o dissidente estava prestes a traí-los e entregar à polícia o muito que sabia. Montou o tribunal que aprovou a condenação à morte e ajudou a executar a sentença no fim da tarde de dia 23 de março de 1971, no centro de São Paulo. Antes de sair para o encontro com a morte, o jovem que iria morrer escreveu que “nada o impediria de continuar combatendo”. Não imaginava que seria impedido por oito tiros.
O assassino quase sessentão admite que o crime foi um erro, mas não se arrepende do que fez. Na guerra, essas coisas acontecem, explica o justiceiro impiedoso. Depois do crime, ele se tornou muito respeitado pelos companheiros, que o conheciam pelo codinome: Clemente.”
Carlos Eugênio, acreditem, responde a Augusto, nestes termos:
“A lembrança dessa época, para mim, é lembrança de uma luta que não me arrependo de ter travado. Era uma luta armada, era dura, precisamos todos, humanistas que éramos, aviltar nossas entranhas, nosso sentimentos, nossas convicções. (…)Tenho sangue em minhas mãos? É claro que tenho. Não era pra lutar? Não era pra fazer uma guerra de guerrilhas? Dá para medir quem estava mais certo? Todos estávamos errados, pois fomos todos derrotados. (…)Mas não se esqueçam também que o sangue que escorre de minhas mãos escorre das mãos de todos aqueles que um dia escolheram o caminho das armas para libertar um povo. E que defenderam a luta armada, mesmo sem ter dado nenhum tiro (…)
Numa coisa, ao menos, ele está certo, não é? Se a pessoa integrou um bando armado, que matava, traz sangue nas mãos, ainda que não tenha dado um tiro…
Retomo
Fonte: VEJA.com
Por Reinaldo Azevedo
Vocês conhecem alguém mais “clemente” do que Carlos Eugênio? Não é a primeira vez que a gente assiste a um vídeo em que os terroristas de esquerda justificam os métodos que eram empregados pelos torturadores e paramilitares, deixando claro que faziam e fariam o mesmo, evidenciando que compartilhavam a mesma lógica perversa. Já exibi aqui o filme em que Franklin Martins — aquele — e seus amigos deixam claro que teriam, sim, matado o embaixador americano Chales Elbrick se o governo militar não tivesse cedido às exigências dos seqüestradores. E o fez dando gargalhadas e justificando a decisão.
Carlos Eugênio escreveu um livro chamado “Viagem á Luta Armada”, publicado em 1997. Sabem quem fez um prefácio elogioso e quase emocionado? Franklin Martins!
Marighella, o ídolo de Carlos Eugênio, escreveu até um Minimanual da Guerrilha Urbana. Lá está escrito:
“Hoje, ser “violento” ou um “terrorista” é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades.”
E mais adiante:
“Esta é a razão pela qual o guerrilheiro urbano utiliza a luta e pela qual continua concentrando sua atividade no extermínio físico dos agentes da repressão, e a dedicar 24 horas do dia à expropriação dos exploradores da população.
(…)
A razão para a existência do guerrilheiro urbano, a condição básica para a qual atua e sobrevive é a de atirar. O guerrilheiro urbano tem que saber disparar bem porque é requerido por este tipo de combate.
Tiro e pontaria são água e ar de um guerrilheiro urbano. Sua perfeição na arte de atirar o fazem um tipo especial de guerrilheiro urbano - ou seja, um franco-atirador, uma categoria de combatente solitário indispensável em ações isoladas. O franco-atirador sabe como atirar, a pouca distância ou a longa distância e suas armas são apropriadas para qualquer tipo de disparo.
O sobrenome de Carlos Eugênio é “da Paz”. E seu codinome no terrorismo era “Clemente”. Essa é a paz dos clementes. Nada mais a acrescentar neste post.
Fonte: VEJA.com
Por Reinaldo Azevedo
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