"O que me preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons." - Martin Luther King

sábado, 16 de fevereiro de 2013

‘A Igreja muda ou acaba’, diz teólogo brasileiro, sobre a renúncia de Bento XVI


Mário França crê que o modelo atual da Santa Sé trai a origem da fé católica
Por onze anos, Mário França, 76, fez parte da Comissão Teológica do Vaticano, onde conquistou o respeito do então cardeal Joseph Ratzinger. Hoje, professor da PUC-Rio e autor de obras sobre a teologia, defende uma nova Igreja, longe da hierarquia e das ortodoxias de Roma, e com espaço para gays e padres casados.
ENTREVISTA CONCEDIDA A "O GLOBO":
Como a Igreja vai sobreviver ?
Mário França: Chegou um momento em que a Igreja, só com os oficiais, padres, bispos e Papa, não aguenta mais. Esta estrutura foi uma traição à Igreja primitiva, em que todo mundo participava e tinha direitos iguais de participação. Todos são iguais, não tem homem, mulher, judeu, gentio ou escravo e senhor. Depois a Igreja erigiu uma estrutura monárquica, um pouco copiada de Roma. Foi consequência da chegada dos príncipes, que começaram a nomear parentes para tomar conta das muitas propriedades da Igreja. Era preciso estruturar ou tudo ia ficar na mão de famílias poderosas, nobres. Para evitar isso, o laicado foi afastado do poder da Igreja - o laicado não era o povão, eram estes príncipes que estavam cada vez incomodando mais. Passou o tempo e a Igreja ficou identificada por seus bispos, padres etc. É errado, né? Todo cristão, todo católico, tem o direito de formar um grupo, com o qual a hierarquia não pode se meter. A Igreja do futuro vai ser predominantemente leiga ou então não vai aguentar.
O Grupo de diversidade católica, que reúne gays, é um exemplo do que o senhor está dizendo?
Mário França: Exatamente. É um grupo de pessoas que são assim. A Igreja não pode excluir, tem de atender todo mundo. É uma maneira de a Igreja mostrar sua abertura. A consciência histórica é lenta. Teve um tempo que os missionários se perguntavam se tinham que batizar ou não os negros da África, por que não sabiam se eram animais ou gente. Muita coisa que achamos normal hoje, daqui a 50 anos será considerada intolerável. Os laicos vão obrigar a Igreja a criar um espaço de debate público, que não existe. A qualquer problema, corre-se para o bispo.
Mas as mudanças têm sido lentíssimas.
Mário França: Não se mexe da noite para o dia com 1,2 bilhão de pessoas. Não se podem criar traumas, as pessoas têm mentalidades muito diversas e, como diz o Rubens César Fernandes, do Viva Rio, o importante é que a gente mantenha todo esse pessoal dentro da Arca de Noé. Os sociólogos dizem que tudo pode mudar, menos o religioso, porque o ser humano tem necessidade de segurar alguma coisa. A gente percebe que isto não tem sentido. O sagrado também é construído através de uma linguagem e de práticas.
Esta posição está afastando muita gente.
Mário França: É, há paróquias que viraram agências de fornecer sacramento, isto está condenado. Tem de ter o sentido missionário. É o que se está tentando fazer agora. Mas é lento. Quando eu fui da Comissão Teológica do Vaticano, não tinha nenhuma mulher, agora já tem quatro. Não há dúvidas de que o fim do celibato já deveria ter acontecido, Paulo VI era a favor disso - mas uma coisa destas vai mudar a estrutura.
A questão da contracepção também está mais do que na hora de ser enfrentada.
Mário França: São questões morais que têm se ser mudadas, mas é uma coisa lenta. No papado de João Paulo VI, o cardeal de Bruxelas disse: na minha arquidiocese é permitido camisinha - ele estava com um problema seríssimo de explosão de Aids entre trabalhadores imigrados. Resolveu assumir e disse: aqui é preciso usar camisinha. O Vaticano não disse uma palavra.
A Igreja não vem conseguindo acompanhar as mudanças sociais?
Mário França: São rapidíssimas. Na PUC, a mudança de uma geração para a outra se dava em 20 anos, depois passou para 10, agora com dois ou três anos, você já vê aluno do quarto ano que não consegue entender o calouro. É uma sucessão vertiginosa que não conseguimos mais acompanhar, que provoca um curto-circuito na cultura.
Quem é o mais progressista entre os candidatos a Papa?
Mário França: Os cardeais terão de fazer um perfil de uma pessoa que entenda o mundo e saiba enfrentar esses desafios todos. Tem de ter boa formação pastoral e intelectual, capaz de se cercar de pessoas competentes. Tem um candidato de Honduras, Luis Alfonso Santos, que é uma pessoa muito possível de dar um bom Papa. Sabe línguas, é sensível, mora no país mais pobre da América Central: é uma pessoa que marca pela inteligência. Tem Luiz Antonio Tagle, um filipino progressista também, mas ele é muito novo. Tem 55 anos. Mas eu duvido que queiram colocar um cardeal de 50 anos, pois ele ficaria 30 anos. A turma não quer isso não. Cardeal Ravasi, encarregado da Cultura, também é muito aberto.
Resumindo: o senhor diz que a Igreja tem de mudar?
Mário França: Já está mudando. Ou muda ou acaba. É um momento sério da sociedade, faltam líderes. Onde estão os Churchill, De Gaulle, Adenauer? Não tem mais, está faltando líder. Na Igreja também, e os problemas são muito grandes. As religiões têm um papel muito forte no mundo de hoje, e a Igreja tem de ser uma reserva ética, apesar dos mal feitos da cúpula.
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